Nova vida para o Centro do Recife: o que falta e o que já é feito para "morar na cidade"
Boa parte da população ambiciona morar no Centro, mas precisa de incentivos e melhorias consideráveis na região para investir em seu potencial

Uma pesquisa inédita para entender os desejos e percepções dos moradores da Região Metropolitana do Recife (RMR) sobre as preferências e desafios de morar na área central do Recife foi divulgada pelo Núcleo de Inteligência de Mercado do Centro Universitário Frassinetti do Recife (UniFafire). O estudo, realizado entre os dias 20 de março e 3 de abril, ouviu mais de 780 pessoas em diversos espaços públicos da Região Metropolitana do Recife (RMR) e aponta direcionamentos quanto ao futuro da área central da capital pernambucana.
A pesquisa revela que mais de 92% dos entrevistados não residem atualmente no Centro. Desses, quase 68%, afirmaram que não pretendem, apesar da localização privilegiada, se mudar para a região, que vem sofrendo com o abandono de imóveis e a degradação urbana.
Os principais motivos para essa resistência da população em residir na área central, segundo a avaliação, são a falta de segurança (43,75%), ruídos e a poluição (21,47%), além do alto custo de vida, representando 17,66%.
HÁ GENTE QUERENDO MORAR
No entanto, apesar do problemas elencados, há muita gente com esperanças de mudanças na área central do Recife. Um total de 27,13% está disposto a residir em bairros da região, desde que hajam mudanças significativas na área.
Quando perguntados sobre que tipo de incentivo poderia atrair mais moradores para o Centro, a resposta entre os entrevistados apontam para melhorias de infraestrutura e segurança (63%).
Além disso, incentivos fiscais, a exemplo da redução de impostos, também foram citados por 25% das pessoas. Por outro lado, 41% afirmaram que se inscreveriam em um programa de moradia acessível no Centro, caso existisse. Para 86%, a reutilização de prédios abandonados poderia ajudar a melhorar a oferta habitacional na cidade.
Entre os motivos que levam alguém a escolher viver no Centro, destacam-se a proximidade do trabalho e dos estudos (32,76%), além da facilidade de transporte público (24,5%) e o acesso a infraestrutura e serviços (19,74%).
USO MISTO E COMPACTOS
A pesquisa, que contou com participação predominante de jovens, entre 18 e 31 anos (55%), também quis entender qual seria o tipo ideal de moradia para o local. Segundo a percepção dos entrevistados, as respostas somaram 40% para apartamentos compactos e 31% para imóveis com uso misto, como lojas no térreo e residências nos andares superiores. Porém, modelos mais inovadores, como coabitação e habitação social, também foram lembrados pela população.
Para o pesquisador, arquiteto e urbanista, José Adriano Pereira, doutorando na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e consultor do Núcleo UniFafire Inteligência de Mercado, os dados coletados no estudo ajudam a entender os desafios e as oportunidades para reocupar o centro do Recife com novas formas de moradia.
“É urgente a necessidade do poder público em repensar o papel dos centros urbanos. A pesquisa sugere que existe interesse e abertura da população para habitar a área central da cidade, mas é fundamental que essa reocupação ocorra com segurança, infraestrutura de qualidade e modelos habitacionais acessíveis. A reutilização de edifícios abandonados, quando bem planejada, pode ser uma resposta concreta à crise habitacional e à degradação das áreas históricas”.
AÇÕES INVISÍVEIS
No entanto, um dos pontos da pesquisa mostra que mais da metade dos respondentes (56%) nunca ouviu falar de políticas públicas para revitalizar os edifícios abandonados nas área central da cidade. “É um número que acende um alerta sobre a importância de dar visibilidade às iniciativas públicas e fortalecer o diálogo entre governos, investidores e a sociedade”, ressalta o pesquisador, reforçando o paradoxo encontrado pela avaliação. “O centro da cidade é desejado, mas ao mesmo tempo evitado. Para reverter esse quadro, é preciso investir em requalificação urbana, políticas de habitação acessível e incentivo à reutilização dos imóveis abandonados".
O QUE É FEITO PARA MORAR NO CENTRO
O Recife já conta com algumas ações que visam atrair empreendimentos residenciais para a área central. A mais recente delas foi anunciada pelo governo de Pernambuco na última quinta-feira (5).
No Morar Bem - Entrada Garantida, o Estado está elevando o teto do valor dos imóveis enquadrados no programa para R$ 255 mil (antes era R$ 220 mil) na capital pernambucana, em linha com o reajuste feito no programa Minha Casa, Minha Vida. Isto quer dizer que, construtores poderão colocar produtos melhores dentro do programa e a população que ganha até dois salários mínimos, por sua vez, poderá financiar, com subsídio de até R$ 20 mil para pagamento da entrada, imóveis melhores localizados dentro da cidade e com maior infraestrutura.
Outra novidade anunciada pelo Estado é o aporte de subsídios para atrair empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida na modalidade FAR, que atende às famílias de menor renda, para área central do Recife. Empreendimentos selecionados na portaria 488 do Ministério das Cidades, que estabelece a meta de 110 mil unidades habitacionais com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial, contarão com subsídio de R$ 20 mil (por unidade habitacional) do Governo do Estado para que construtores consigam erguer projetos no Recife - com foco na área central da capital.
O objetivo é garantir condições para viabilizar os empreendimentos, escassos no Recife, e, ao mesmo tempo, estimular a habitação do Centro da capital pernambucana, em consonância com a atração da faixa comercial do MCMV com o estímulo do Morar Bem - Entrada Garantida.
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RETROFIT
A Prefeitura do Recife tenta incentivar a técnica de retrofit para revitalizar o bairro do Recife, e suas adjacências, repleto de prédios antigos em decadência. No ano passado, um primeiro passo foi dado com o Decreto municipal nº 37.668/2024, que regulamenta a redução de alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) para o setor hoteleiro em funcionamento na cidade. A redução, instituída através da Lei Municipal nº 19.148/2023, a partir de agora, tornou o benefício mais acessível e transparente ao setor, com regras para acesso e utilização, na chamada Lei do Retrofit.
A legislação prevê uma redução de até 60% na alíquota do ISSQN, autorizando a redução a 2,05%, 3% ou 4%. Atualmente, incide sobre o setor de hotelaria a alíquota de 5%. A alíquota aplicável para o ISSQN de 2,05% poderá ser acessada nos casos de investimento em ampliação; 3%, nos casos de investimento em manutenção; e 4%, nos casos de investimento em modernização.
NOVA LEI DE OCUPAÇÃO E LOCAÇÃO SOCIAL
A gestão municipal também espera que a Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) seja um estímulo a novas construções na cidade. Na legislação, que ainda será apreciada na Câmara de Vereadores, está prevista a criação de um bônus ou crédito construtivo a partir da priorização de projetos de retrofit (reforma para novo uso) de edificações e novas construções habitacionais no Centro da cidade.
A cada metro quadrado reformado nos bairros da Boa Vista, Santo Antônio, São José e Bairro do Recife com destinação a uso habitacional, o construtor recebe um metro quadrado para obras em Boa Viagem. No caso de habitação social nos bairros citados do Centro do Recife, o crédito passa de 1 metro quadrado para 2 metros quadrados - o que permitirá, em trecho da Zona Sul, o aumento da liberação da área construída dos empreendimentos do nível três para o cinco.
Outra medida é que a prefeitura vai permitir a ampliação da área construída privativa quando se trata de habitação de interesse social, o que desdobra em número maior de unidades habitacionais por empreendimento e conseguinte margem de lucro para o construtor, viabilizando economicamente a atração deste tipo de moradia para a cidade, que atualmente tem um número restrito de habitações. Estima-se que as áreas de potencial construtivos dos lotes aumentem em quase 50%.
Há ainda a expectativa do programa de locação social Morar no Centro, que só deve sair do papel em 2026, subsidiando até 80% do aluguel de famílias em prédios como o Edifício Tabajara (Rua Siqueira Campos, s/n), o Pátio 304 (Rua Siqueira Campos, 304) e um imóvel na Avenida Dantas Barreto, nº 1080, que serão retrofitados, além duas novas edificações a serem erguidas na região.