Literária | Notícia

A escrita como criação coletiva

Coletivo Mães que Escrevem lança livro abordando a pluralidade da experiência materna, inspirado no conceito de escrevivência de Conceição Evaristo

Por Fábio Lucas Publicado em 08/10/2025 às 22:39 | Atualizado em 09/10/2025 às 10:56

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A identidade das mães é múltipla como uma obra coletiva que tem na essência a diversidade. O segundo Concurso Escrevivências Maternas está lançando a coletânea de mesmo título, em realização do coletivo Mães que Escrevem. A antologia reúne 37 textos e busca refletir a noção de escrevivência, da escritora Conceição Evaristo, integrante da Academia Mineira de Letras. A organização é de Jo Melo, fundadora do coletivo, para quem a escrita configura salvação diária. “Enquanto escrevo, algo se transforma. A mente se aquieta, e eu entro em estado de êxtase”, relata na apresentação. Para ela, o livro conduz “as vozes maternas para além dos muros que tentam nos limitar”.
Jo Melo criou em 2016 a revista Mães que Escrevem, uma “rede de apoio e acolhimento através da escrita” que já publicou mais de 2 mil textos, além de promover encontros virtuais e presenciais. Saiba mais sobre o projeto em www.maesqueescrevem.com.br.


Ninguém no mundo

A sugestão de um livro coletivo para a conclusão da turma de Especialização em Escrita Criativa da Cesar School, no Recife, contou com o entusiasmo e a dedicação de 13 mãos. Assim surgiu o romance inovador “Ninguém no mundo”, que será lançado nesta quinta, 9, na Bienal do Livro de Pernambuco, a partir das 18h no Círculo das Ideias. Os autores são: Anne Benevides, Camila Cursino, Charlene Valéria, Clarisse Telles, Danilo de Oliveira, Emanuely Lima, Gabriela Machado, Larissa Barbosa, Luciana Nogueira, Natália Câmara, Raimundo Fernandes, Raul Bradley e Sílvio Luiz.


Autoria diluída

O professor responsável pela ideia foi o escritor e editor Wellington de Melo, que falou à Literária. “O grupo me procurou para editar seu livro de conclusão de curso: uma coletânea de textos produzidos pelo grupo. Eu disse que essa proposta, embora válida, seria só mais uma, que eles poderiam fazer algo de fato inovador. De pronto, propus: e se escrevessem um romance coletivo, em que não apenas cada capítulo fosse escrito por um deles, mas a própria autoria estaria diluída no processo? Para minha surpresa - e receio - eles toparam”.


Um capítulo por autor

“Propus de dividissem inicialmente a escrita em capítulos - 13, sendo um para cada autor ou autora - com uma limitação de caracteres. Não houve combinação de tema, mas propus que cada um só teria acesso à leitura do capítulo anterior e algumas poucas informações sobre as personagens - que iam sendo complementadas à medida que o romance avançasse. Cada autor teria uma semana para escrever e, ao final desse prazo, com o livro finalizado, começaria a segunda etapa, em que todos leriam o resultado e faríamos uma edição coletiva, com orientações editoriais minhas. Na terceira etapa, fiz a edição da versão final, e já não havia as barreiras iniciais de 13 capítulos: era um romance efetivamente coletivo, em que os autores e autoras intervinham uns nos capítulos dos outros”.

 

Literatura sem precedente

As restrições não eram aleatórias, conta o professor Wellington. “Tinha em minha mente, por um lado, a técnica de criação coletiva do “cadavre exquis” (cadáver esquisito), a partir da qual se formavam desenhos ou frases de maneira colaborativa e secreta. Como seria um romance escrito assim? É algo que não tem, até onde sei, precedente na literatura. A técnica, em essência, me remetia ao movimento francês do Oulipo - Ouvroir de Littérature Potentielle - que tinha como proposta a literatura escrita a partir de restrições. Eu queria dar aos escritores e escritoras em formação um desafio à sua altura. Eles se saíram muito bem”, celebra.


E a voz do autor?

A experiência da edição desse livro, em comparação com o trabalho comum do editor, foi marcante para Wellington de Melo, que já foi editor da Cepe. “Uma dor de cabeça multiplicada por 13 (risos). O trabalho de edição de literatura é muito delicado, porque envolve essa miragem que o romantismo criou chamada "voz do autor". Obviamente, cada autor e autora tem estilos, referências, temáticas norteadoras diferentes, e coadunar tudo isso num único livro, que em tese deveria ter uma unidade, foi um desafio muito grande. Creio que o que facilitou foi o espírito de colaboração dos envolvidos e o fato de terem convivido tempo suficiente para compreenderem como cada um escrevia. Como eles tinham a ordem em que cada capítulo seria escrito, aconteceu momentos em que "já sabiam o que poderia vir", e isso foi bem bacana.


O trabalho do editor

“Ao mesmo tempo, como editor, minhas decisões deveriam levar em conta o livro como um todo. Por isso, criei uma metodologia que envolvia tanto o processo individual de escrita, como reuniões de decisões coletivas. No final, será bem difícil identificar onde acaba a escrita de um e começa a de outro. Numa perspectiva contemporânea, em que, por um lado, há uma idolatria ao personagem que o escritor faz de si nas redes, mais que à própria obra, este livro tem a proposta disruptiva de valorizar o processo de construção do texto”.

 

Yara Tomei
Camila Cursino é escritora e editora - Yara Tomei


Arte do encontro

A coluna também conversou com uma das autoras de “Ninguém no mundo”, que foi editora assistente da obra. A seguir, algumas perguntas para Camila Cursino.

JC - Como recebeu a ideia de um romance colaborativo? O que pensou da proposta?

Camila Cursino - Com entusiasmo. Poder dar corpo ao que vínhamos construindo nos últimos dezoito meses, enquanto primeira turma da Especialização em Escrita Criativa da CESAR School, era um sonho que muitos nem sabiam que tinham. Mas, junto do fascínio pelo quebra-cabeça da proposta, veio o medo. Medo do que treze repertórios, processos de escrita e expectativas distintas, de olhos vendados, poderiam revelar. Só que não temi.
Assim como sua construção, o texto apresenta uma pluralidade de vozes em que os silêncios, dores e afetos de uma família vão sendo apresentados ao leitor em um ritmo próprio, que dá muita identidade à obra, sem perder o fio condutor. Logo, o medo, nesse caso, era só um sinal de que havia algo grande em gestação. E talvez por isso eu tenha me disposto a articular todo o processo: porque acreditava que o risco valia a travessia. E segue valendo.

JC - Como foi escrever e editar um livro com esse formato inovador?

Camila Cursino - No que diz respeito ao desenvolvimento da escrita, pelo sorteio, fui uma das últimas autoras. Se tivesse acesso à totalidade do texto, teria que me atentar a elaborar encaminhamentos para o desfecho. Todavia, escrever acessando apenas o capítulo anterior foi curiosamente libertador. Experimentei um formato, um conteúdo e uma voz que sempre estiveram aqui, mas que eu ainda não tinha me permitido exteriorizar. Só na fase de edição que pude mergulhar na narrativa completa, ao lado de Wellington; seguida da revisão, que também contou com a destreza cirúrgica de Natália Câmara, outra coautora. Embora tenha sido uma extensão dos aprendizados da Especialização e extremamente enriquecedora, também me levou exaustivamente até a cutícula do texto, algo que eu nunca havia experienciado, para torná-lo o mais verossímil possível. E, nesse “tchibum” tão intenso, percebi algo essencial: mesmo fragmentada em tantas mãos, a escrita era uma só. E, de algum modo, também era minha, porque era nossa.

JC - Gostou da experiência? Como pode descrever o resultado da obra coletiva?

Camila Cursino - Foi e segue sendo uma experiência imensa. Um exercício incessante de entrega, escuta (interna e externa) e confiança mútua. Se fosse para escolher uma palavra, diria alquimia. Porque houve transformação em cada etapa: do desafio em coragem, do caos em meditação, da perseverança em ressonância. Esperamos que todos os leitores sintam quanta dedicação o processo de “Ninguém no mundo” exigiu de todos os envolvidos, no intuito de oferecer a melhor experiência de leitura. O resultado é uma narrativa que, embora nascida de treze mentes, pulsa como um só organismo. Um livro que é, ao mesmo tempo, interior e colaborativo, e que atesta que a literatura, especialmente o romance, também pode ser uma arte do encontro.


Finalistas do Jabuti

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) divulgou a lista de cinco finalistas por categoria, do Prêmio Jabuti 2025. Entre os anunciados no páreo para o resultado que será conhecido no próximo dia 27, no Rio de Janeiro, estão: Tiago Feijó (conto), Francisco Bosco, Ruy Castro e Carpinejar (crônica), Jeferson Tenório e Marcelino Freire (romance literário), Jamil Chade (biografia e reportagem), Riq Lima, Aline Midlej e Edu Lira (economia criativa), Christian Dunker e Monja Coen (saúde e bem-estar). Veja os títulos e a lista completa em www.premiojabuti.com.br.


Jabuti para Pernambuco?

A editora Cepe está como finalista com Augusto Lins Soares, que organizou a “Fotobiografia Naná: do Recife para o mundo”, e Luis Osete com “Maracujá interrompida” na categoria de poesia estreante. O Festival Pernambucano de Literatura Negra, de Jaqueline Fraga, também está na lista, em Fomento à Leitura.

 

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Keilla Liberal está na Bienal do Livro - Divulgação


Aqui jaz. Um ditado

Em publicação da editora Telha, a escritora Keilla Liberal promove o lançamento de seu primeiro livro de poemas na Bienal do Livro de Pernambuco, nesta quinta, 9, das 9h às 15h no estande do Grupo Gerar. Na obra, a autora “transforma suas vivências em versos que ecoam amor, dor, saudade e superação”.


Flipiri

A 15ª edição da Festa Literária de Pirenópolis – Flipiri - começa nesta quinta, 9, e segue até o sábado, 11, em Goiás, numa realização do Instituto Casa de Autores (ICA), de Brasília, em parceria com a Prefeitura. A escritora Roseana Murray e o escritor Hugo de Carvalho Ramos são os homenageados. Confira a programação no site www.flipiri.art.br.

 

Nil Caniné
Ator em cena de "A construção" - Nil Caniné


A Construção

Estreia nesta quinta no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, montagem teatral de “A Construção”, de Franz Kafka. A direção é de Beto Brown, com adaptação de Pedro Emanuel, para atuação solo de Marcelo Olinto. Sessões de quinta a domingo, às 19h, até o dia 2 de novembro.

 

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Leonardo Tonus na APL - Divulgação


A Bienal na APL

O professor e escritor Leonardo Tonus foi um dos convidados da Bienal do Livro de Pernambuco a visitarem a Academia Pernambucana de Letras (APL). Nesta sexta, 10, será a vez de Rogério Pereira, editor do Rascunho, em bate-papo sobre os 25 anos do jornal literário. E no sábado, 11, a escritora e editora do selo Auroras, Dani Costa Russo, conversa com os acadêmicos e o público presente sobre “O lugar das pequenas editoras na literatura contemporânea”. Ambos, às 10h da manhã, na sede da APL, no Recife.


APL na Bienal

Na sexta, 10, o presidente da Academia Pernambucana de Letras (APL), Lourival Holanda, participa da Bienal do Livro, onde irá falar a respeito de “Uma Academia de Letras para os leitores”. No Círculo das Ideias, às 3 da tarde.


Entrelinhas das crianças

Manuel da Costa Pinto apresenta o Entrelinhas especial da semana das crianças, nesta sexta, 10, na TV Cultura. Entre os convidados, Eva Furnari, Ilan Brenman, Fernando Vilela, Stela Barbieri e Ricardo Azevedo. Nas conversas, são abordados temas como o lugar social da criança, a ideia de infância, as novas tecnologias e a Inteligência Artificial na criação da literatura infantil. O programa também presta homenagem a Ziraldo. O Entrelinhas vai ao ar a partir das 8 da noite.


Novos Engenhos

A Bienal do Livro de Pernambuco recebe o lançamento da campanha de financiamento do novo livro de Roberto Azoubel, “Novos Engenhos”, em publicação da Titivillus, com prefácio de Xico Sá. O autor irá dialogar com o DJ Dolores e o professor Anco Márcio Tenório, sobre regionalismo, manguebeat e literatura contemporânea. A mediação será do editor Rodrigo Acioli. A partir das 2 da tarde, neste sábado, 11, no espaço Conexão Petrobras. A campanha de apoio à publicação será divulgada no evento, e estará no site da Benfeitoria.


Flor de gerundiar

Taciana A. Ferraz lança a poesia de “Flor de Gerundiar” no sábado, 11, no espaço Conexão Petrobras da Bienal do Livro de Pernambuco, a partir das 7 da noite. A obra é apresentada como “um jardim de versos vivos, onde palavras brotam como sementes de autoconhecimento e liberdade”.

 

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