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Benefícios sociais no governo Lula não reduziram endividamento

Perfil de 2024 não é igual ao de 2015, quando o maior percentual foi com crédito habitacional.Atualmente liderado pelo cartão de credito.

Por Fernando Castilho Publicado em 08/11/2025 às 12:00 | Atualizado em 08/11/2025 às 15:15

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Em outubro de 2025, a inadimplência atingiu 30,5% das famílias brasileiras, o maior patamar da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), iniciada em 2010 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O percentual de famílias que não têm condições de quitar suas dívidas atrasadas também subiu, atingindo 13,2% — o maior índice desde dezembro de 2024.O percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer chegou a 79,5%.

É uma situação perturbadora porque, no ano passado, o percentual de brasileiros que receberam recursos de programas sociais do governo cresceu, alcançando patamar que fica abaixo apenas do registrado durante a pandemia.

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a proporção da população com rendimento de programas sociais do governo subiu de 8,6% em 2023 para 9,2% no ano passado.

Transferência de renda e endividamento

A participação dos programas sociais no rendimento domiciliar per capita variou de 3,7% para 3,8% entre 2023 e 2024. Só ficou abaixo do ápice da série (5,9%), atingido em 2020, durante a pandemia.

Uma transferência impactante de renda 

Foi uma transferência impactante. Em 2024, a massa de rendimento mensal domiciliar per capita, que é a soma de todos os rendimentos da população, atingiu o maior valor desde 2012: R$ 438,3 bilhões.

E um aumento de 5,4% frente ao ano anterior. Na comparação com 2019, o ano anterior à pandemia de Covid-19, houve uma alta de 15,0%.

Mas isso não melhorou a situação geral das famílias. Em 2024, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer (cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e casa) continuou avançando, até alcançar os quase 80% em outubro, o maior percentual desde outubro de 2022.

Há dez anos a mesma CNC se assustou quando em 2015, o percentual de famílias endividadas chegou a 61,1%.

Por outro lado, o atual percentual de transferência de renda do Governo só perde para o período de 2020 (13%) e 2021 (9,5%), marcado pelo auxílio emergencial de R$600,00 pago na pandemia. A série histórica começou em 2012.

Cartão de crédito virou o vilão

Entretanto, o endividamento de 2024 não é igual ao de dez anos antes. Em 2015, o maior percentual de endividamento foi com crédito habitacional, que cresceu até setembro e chegou a 19,1% da renda das famílias.

Porém segundo a Serasa em agosto último o perfil da dívidas era de 27,3% com cartão de crédito; 20,8% com água, luz, telefone e internet (Utilities) 19,5% com bancos e financeiras e 11,9% com serviços diversos

Apenas em setembro de 2017 apresentou apenas uma pequena redução, registrando 18,4%. O endividamento com os demais tipos de crédito atingiu 23% da renda.

Nem em 2024, quando o rendimento mensal real domiciliar per capita chegou ao maior valor da série histórica do módulo Rendimento de todas as fontes, da PNAD Contínua, iniciada em 2012, e atingiu R$ 2.020,00, quando o perfil dos endividados era outro, o endividamento caiu.

No final do ano passado, do total de 76,7% das famílias endividadas (29,3% com dívidas em atraso e 13,1% dizendo que não têm como pagar), o grande motivo foi o cartão de crédito com 83,3%.
Os carnês de loja vêm a seguir com 16,5% e o Crédito Pessoal com 11,4%. O financiamento habitacional caiu para apenas 8,8%.

E segundo a pesquisa da CNC, o endividamento de 2025 seguiu sua trajetória ascendente pelo décimo mês consecutivo, alcançando os 79,5% dos lares citados - o maior índice desde novembro de 2012.
Inadimplência assusta e desestabiliza

A inadimplência avançou sobretudo entre as famílias com renda acima de três salários mínimos e o endividamento cresceu com mais intensidade entre os lares com renda entre 3 e 5 salários mínimos. No recorte por gênero, as mulheres foram as que mais sentiram o impacto.

Detalhe: o público feminino é exatamente o que tem o nome vinculado aos programas sociais, pois o Governo exige que preferencialmente o crédito seja em nome da mulher. 89% das beneficiárias que detêm o poder do cartão de pagamentos são mulheres.

Isso traz problemas psicológicos sérios. O endividamento atrapalha o bem-estar: 88% dos brasileiros já sentiram vergonha e 85% tiveram insônia/dificuldade para dormir por estarem endividados, segundo um estudo da Serasa.

E os principais motivos de endividamento entre os brasileiros estão em 1º lugar: está o desemprego, com 30% dos respondentes. Na sequência, emprestar o nome foi o motivo indicado por 11% das pessoas e a falta de controle financeiro ficou em 3º lugar, com 9%.

Perda de saúde e aumento de ansiedade

O atraso das dívidas - numa sociedade onde o dinheiro está associado ao sucesso - implica diretamente em sentimentos de alguma falha ou incompetência, inadequação.

E nessas situações é muito comum a perda do sono, pois aspectos biológicos são uns dos primeiros sintomas de preocupações com dívidas, especialmente quando estas podem levar à inadimplência segundo a pesquisa. E a mulher sente mais.

Ironicamente, esse quadro ocorre quando o governo comemora o crescimento do emprego. O que é verdade desde 2021, logo após a pandemia, embora a geração de emprego continue sendo de ocupações com pagamento de 1,5 salários mínimos.

Segundo o Caged, desde 2020, quando (na pandemia) o Brasil gerou menos 189.514 empregos que admissões, o mercado de contração é positivo.

Em 2021 foram contratados mais 2,782 milhões de empregados com carteira assinada; em 2022 mais 2,014 milhões; em 2023 1,454 milhões e no ano passado, 1,678 milhões de pessoas foram contratadas. Em 2025 até agosto foram 1,501 milhões de novas contratações.

Mais empregos de salário baixo

Mas com um olhar mais atento pode-se observar que o número embute a contratação de emprego de baixa remuneração. Certamente porque das 1.501.007 novas contratações, 773.385 foram no segmento de Serviços que tradicionalmente pagam menores salários e têm empresas de menor porte.

Isso mostra por que dos novos 147.358 empregos com carteira assinada em agosto, 122.691 receberam apenas 1,5 salários mínimos. E que os 47.061 sejam pagos com um salário mínimo - R$1.518,00. Em agosto não registrou contratações positivas acima de dois salários mínimos.

Também isso explica por que a entrega de mais dinheiro através de programas sociais não está fazendo a situação geral das famílias melhorar financeiramente.
Talvez porque no mercado de trabalho as contratações se dão essencialmente para empregos que pagam entre R$1.518,00 e R$2.277,00.

Mais gastos no Governo Lula 3

O problema é que isso reflete nas contas públicas. Em 2024 os gastos do governo federal com Assistência Social ganharam maior peso na primeira metade do governo Lula 3.

Eles têm representado, em média, 13,29% do total da despesa executada, ficando atrás somente do pagamento de aposentadorias e pensões. Em 2024, chegaram a R$285 bilhões, depois de atingir R$266,4 bilhões em 2023.

O aumento do benefício médio do Bolsa Família (R$666,00 por família) e o maior número de concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que dá direito a um salário mínimo de R$1.518,00 explicam isso.
Para se ter uma ideia do que isso representou, basta dizer que no Norte e no Nordeste, a parcela de habitantes contemplados pelos programas chegou a 13,5% e a 15,7%, respectivamente, em 2024.

E que o valor médio de quem tinha alguma dessas transferências ficou em R$ 836 no país, recorde da série, com aumento de 2,2% no ano e de 72,7% desde 2019.
A essa despesa se somam em 2025 os programas de gás de cozinha, isenção na conta de luz até 80 kWh por mês e outros como o Pé de Meia.

Estouro das despesas da previdência

Além do próprio reajuste acima da inflação do pagamento do BPC. Os dois programas (PBF e BPC) são as duas principais (96%) rubricas dessa função.

Os custos dos programas sociais já são a segunda maior despesa, somente atrás dos gastos da Previdência Social, que representaram 48,89% do total.

A soma da conta da Previdência mais os programas sociais nos dois primeiros anos do governo Lula atingiu 62,18% das despesas relacionadas à assistência social.

Selic alta inibe mais crédito ao consumo

Esse quadro com a permanência de uma taxa de juros básica (Selic) de 15% ao ano trava a economia. A própria CNC avalia que a estabilização da Selic gera um cenário de menor atratividade para o crédito e faz com que as famílias diminuam seu ritmo de consumo. A CNI considera "inadequada e excessivamente conservadora" a decisão do Copom do Banco Central.

O problema é que a nota do Copom divulgada após reunião afirma que a estratégia de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta. Em português claro: Redução só em 2026, talvez depois do Carnaval.

Consumidor preocupado em pagar em dia

No relatório da pesquisa da CNC está uma observação interessante. Diz que a percepção individual das famílias, captada pela pesquisa, representa o que cada consumidor considera muito ou pouco em termos de endividamento.

Esse é um indicador subjetivo que felizmente não caracteriza propriamente um superendividamento. Mas é a visão de cada brasileiro sobre o assunto, de acordo com a cultura do País.

Isso permite inferir que existe um comprometimento responsável do consumidor. E que ele tem consciência do que deve e do que precisa fazer para pagar ao seu credor. Embora para o varejo isso signifique menor propensão ao consumo.

 

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