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Empresários assumem restauração e retrofit de imóveis no bairro do Recife Antigo

Iniciativa deve criar tendência de restauração de edifícios construídos nos seus passados combinados ao charme dos serviços gerados no Porto Digital.

Por Fernando Castilho Publicado em 08/06/2025 às 0:05

No final do ano passado, o empresário Everaldo Feitosa inaugurou a nova sede de sua empresa, a Eólica Energia, uma companhia que fundou há 20 anos focada na produção de energia renovável num dos endereços mais charmosos do bairro do Recife: Rua do Bom Jesus, 207.

O prédio - inteiramente restaurado - tem um vizinho importante: a sinagoga Kahal Zur Israel, considerada o primeiro templo judaico das Américas com quem a Eólica Energia divide parede e a História.

Mais retrofit

Para retrofitar o prédio, o empresário pediu um parecer do IPHAN, em Pernambuco, depois que pesquisas arqueológicas da UFPE encontraram os restos de uma construção do século XXVII.

Ele também contratou um escritório internacional, com sede em Portugal, que concebeu um esqueleto em aço com elevador panorâmico de vidro importado com pé direito duplo no térreo com um mezanino que permite a contemplação das ruínas protegidas por uma vitrine de vidro.

Fernando Castilho
Everaldo Feitosa. Empresário patrocinou a restauração do edificio da rua do Bom Jesusu , 2027 onde esta a sede de sua empresa a Eolica Energia - Fernando Castilho

Restauro integral

E reutilizou as linhas de madeira da antiga construção como piso das escadas do prédio de quatro pavimentos onde a sua companhia funciona. O hall do edifício sede da empresa não é aberto à visitação pública, embora seja uma bela surpresa para quem tem a oportunidade de contemplar a restauração.

Everaldo Feitosa não está sozinho. E sua vizinhança não inclui apenas a antiga sinagoga, o Marco Zero e o Museu Cais do Sertão.

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Achados arqueologicos na sede da Eolica Energia. - Fernando Castilho

Vizinho charmoso

Na verdade, seu edifício faz parte de uma vizinhança de vários edifícios históricos que vêm sendo tendo a atenção de empresários o que pode se tornar uma tendência de valorização imobiliária do bairro onde a cidade começou a ser conquistada ao mangue, adjacente ao conjunto de arrecifes naturais que deram seu nome.

Já foram objeto de restauro os prédios da sede da seguradora Excelsior, na Avenida Marquês de Olinda, que adquiriu e restaurou outros três. Um edifício na Avenida Rio Branco pela construtora Vale do Ave, que o preparou para locação integral por um único usuário.

Prédios juntos

E estão em análise pelos órgãos oficiais os prédios conjugados na Avenida Rio Branco com Marquês de Olinda que formam o conjunto de prédios que apontam para o Marco Zero com o Centro Cultural da Caixa, a Associação Comercial de Pernambuco. Além da sede do grupo João Santos - cuja arquitetura modernista destoa das demais edificações.

O CEO do Grupo Excelsior, Sérgio Bivar, é um dos que mais aposta na restauração de imóveis no bairro do Recife. O movimento que começou com a restauração do edifício sede da sua companhia foi seguido pela compra de um outro na mesma rua também restaurado que hoje abriga empresas e um café no térreo.

Divulgação
icônico Palazzo Itália na Avenida Alfredo Lisboa que abrigou a Casa Cor 2024 - Divulgação

Palazzo Itália

E pela aquisição do icônico Palazzo Itália na Avenida Alfredo Lisboa que abrigou a Casa Cor 2024 depois de adequação externa e instalação de elevadores modernos.

O edifício está no mercado para locação, preferencialmente, por um único negócio. O grupo ainda tem um prédio mais moderno no Boulevard da Avenida Rio Branco onde no térreo funciona o restaurante Frege.

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O imóvel passou por um cuidadoso projeto de restauro assinado pela arquiteta Karla Grimaldi. - Divulgação

Modelo do Porto

O empresário Zeferino Ferreira da Costa, CEO da Construtora Vale do Ave juntou-se ao grupo ao concluir o restauro do edifício Cabo Alemão, na esquina da Avenida Rio Branco com as ruas Dona Maria César e Álvares Cabral que também foi colocado, este mês, no mercado de locação preferencialmente por um único ocupante depois da fachada restaurada.

Segundo ele, sua companhia sempre teve um interesse em participar do movimento de restauração de imóveis devido às suas ligações familiares com a cidade do Porto onde seus fundadores nasceram. E onde aconteceu um movimento de restauração do casario antigo que é referência na Europa. Ele próprio atua nesse mercado lá.

Novas técnicas

“Queremos trazer essa expertise para o Recife” diz Zeferino Filho. “E estamos abertos a novos projetos porque acreditamos que isso terá que vir na presença de empresas que foquem no negócio de retrofit e uso comercial e residencial.

Outro empresário que se juntou ao grupo foi Dionor Cantareli que, como Everaldo Feitosa, atua no segmento de energia renovável. Sua empresa, a ebrasil é um dos principais grupos privados de geração de energia térmica do Brasil.

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Centro Cultural REC Cultural cuja proposta é disponibilizar ao público uma coleção com expressivo valor artístico - Divulgação

Centro Cultural

Ele adquiriu dois edifícios onde está desenvolvendo o projeto do Centro Cultural REC Cultural cuja proposta é disponibilizar ao público uma coleção com expressivo valor artístico e patrimonial, trazendo exemplares significativos da história das artes plásticas e visuais, pernambucana, nordestina e brasileira.

No acervo inicial, o REC Cultural terá nada menos que duas mil obras e cinquenta artistas pernambucanos, a exemplo de Abelardo da Hora, Francisco Brennand, Reynaldo Fonseca, Wellington Virgolino, Gilvan Samico, Lula Cardoso Ayres, José Cláudio, Bajado.

Segundo o diretor geral do REC Cultura, Roberto Souza Leão, a decisão de restaurar os dois edifícios históricos e implementar um inovador complexo cultural e educativo, terá um efeito sistêmico, positivo e continuado. Inclusive, na valorização do próprio território e na ocupação dos seus espaços públicos.

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Lugar moderno e para gente morar

Feitosa, Bivar, Zeferino e Cantareli são exemplos dessa percepção de negócios possíveis em ambientes cuja história e micro geolocalização emprestam a uma empresa. Mas tem gente que quer mais.

Avelar Loureiro, CEO do ACFL Empreendimentos, uma companhia imobiliária planejou e construiu 18 grandes empreendimentos com 8.000 unidades habitacionais financiadas pelo Minha Casa Minha Vida, além de projetos no mercado de alto padrão vem pensando o bairro do Recife, mas adverte que “precisa de gente morando lá”.

ACFL Divulgação
Antigo edifício sede do grupo Votorantim, no extremo Sul da Ilha do bairro do Recife - ACFL Divulgação

Oportunidades

O movimento de restauração para ocupação comercial é fundamental, avalia Loureiro. Mas existe uma oportunidade no bairro se ele receber imóveis modernos retrofitados e focados nos jovens e executivos que já trabalham no Porto Digital, avalia.

Ele adquiriu o antigo edifício sede do grupo Votorantim, no extremo Sul da Ilha do bairro do Recife, na cabeceira da ponte Giratória. E sua companhia está desenvolvendo um projeto de retrofit com unidades de 30 e 60 metros quadrados com preços a partir de R$350 mil para esse público.

Emprego e moradia

“O bairro já tem emprego, o cluster de serviços de TI e uma circulação de quase 20 mil profissionais/dia. Ele até tem uma vida razoável noturna. Mas falta gente morando. E isso nós pretendemos começar a oferecer ", afirma o empresário que espera entregar o retrofit em um ano, provavelmente, quando a Prefeitura do Recife concluir a obra de restauração da ponte.

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Trasnformação de antigos silos do MOinhos Recife em apartamentos residneciais no Bairrodo Recife, - Divulgação

Moinho Recife

Nesse segmento, Loureiro tem concorrência na extremidade Norte da ilha. O mega projeto desenvolvido no complexo do antigo Moinho Recife tem vindo com um kit completo.

Abrigados da SPE Revitalis, os grupos Moura, membros do Tavares de Melo e um do Petribú transformaram a icónica construção da Avenida Alfredo Lisboa na histórica Rua de São Jorge combinando restauração com um grande empresarial já entregue e ocupado com empresas.

Morar num silo

No complexo, dois edifícios foram construídos nos antigos silos de trigo pela construtora Moura Dubeux e comercializados em um mês. Eles serão entregues em 2026 e devem transformar a Rua de São Jorge num pequeno boulevard.

O pacote de investimentos se completa com a construção do novo hotel da bandeira Hilton, na Rua Domingos José Martins e com o Complexo formado pela Marina, Novotel e Centro de Convenções Recife, que é um case de sucesso de eventos em menos de um ano.

Exemplo Porto

Isso não quer dizer que o futuro do bairro esteja garantido, como aconteceu em cidade como Porto em Portugal.

Porque aqui, o poder público atua pouco. A despeito de garantir menor tributação de ISS (2%) para as empresas de TI ali registradas.

Entretanto, como pela lei municipal, elas não são obrigadas a levar, de fato, a força de trabalho para o bairro, dezenas delas tem no Recife Antigo apenas o endereço fiscal. E se queixam da falta de espaços adequados, fibra óptica e alugueis altos.

Recursos firmes

Também ficou claro que a simples oferta de incentivos fiscais de ISS (para obras de restauro) ou de IPTU não é fator de atração, embora seja importante.

A Prefeitura do Recife está tentando estimular mais obras de restauro com a troca de área restaurada pelo direito de construir num maior gabarito noutros bairros.

Iluminação fraca

Tudo isso é importante. Mas o Bairro do Recife, entre outras deficiências, está longe de ser um distrito de iluminação de classe mundial. Na verdade, a iluminação do bairro é ruim e não destaca a beleza arquitetônica à noite.

Também convive com uma tolerância do poder público municipal com proprietários de imóveis devedores de tributos por dezenas de anos sem interesse de ocupá-los. Nos últimos 10 anos, apenas um imóvel com débitos foi a leilão.

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Predio do Excelsior Plaza Recife Antigo - Divulgação

Violência e furtos

Além disso, ainda convive com a violência e a população de rua e mais recentemente com furtos de cabos (especialmente de cobre) até mesmo em prédios restaurados. Embora haja policiamento ostensivo.
Mas uma coisa salta aos olhos de quem habita e visita. O bairro do Recife não revela cuidados especiais de zeladoria, iluminação de prédios e segurança ostensiva de modo que sejam percebidos já no primeiro olhar.

Futuro promissor

De qualquer forma, a atitude de empresas pernambucanos com um olhar para investir e desenvolver restauros no bairro do Recife é um movimento importante.

Inclusive, para que o mercado imobiliário comece a olhar áreas que hoje estão desocupadas depois da saída do parque de tancagem, da Pilar e na própria margem do rio onde estão prédios públicos.

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Antigo Moinho Recife abriga centro empresarial e dois edificios residenciais. - Divulgação

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