Enem 2025: especialistas dizem que anular questões não refletem a gravidade do caso; estudantes lançam abaixo-assinado por justiça no processo
O presidente do Inepe diz que "o fato de se visualizar uma questão que por coincidência caiu em uma prova não altera o resultado de ninguém"
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A antecipação de questões praticamente iguais aos itens oficiais que caíram no segundo dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025, mas classificadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) como “similaridades pontuais”, tem gerado inúmeras críticas não apenas entre os participantes, mas também entre professores e especialistas em educação.
Mesmo com o Inep afirmando que a memorização de perguntas aplicadas nos pré-testes “não coloca em risco nenhum tipo de segurança ou questão de sigilo” relacionada à prova — e que, segundo o presidente da autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), Manuel Palácios, “o fato de se visualizar uma questão que por coincidência caiu em uma prova não altera o resultado de ninguém” — a anulação de apenas três questões não estaria refletindo a gravidade da situação.
Segundo levantamento da repórter Luiza Tenente, do portal G1, das questões divulgadas antecipadamente pelo estudante de medicina cearense Edcley Teixeira — atualmente investigado pela Polícia Federal (PF) — cinco foram apresentadas na live transmitida no YouTube em 11 de novembro, sendo três delas anuladas pelo Inep; uma foi veiculada em apostilas vendidas pelo estudante; e duas foram enviadas em um grupo de WhatsApp, em março deste ano.
Também circulam nas redes sociais outras 12 questões apontadas como semelhantes aos itens oficiais. O professor Fernando Menezes Campello de Souza, PHD (Cornell University) e autor do e-book Teoria da Resposta ao Item (TRI), afirma que anular uma questão, por qualquer que seja a razão, traz impactos.
Em seu livro, Campello explica que anular apenas os itens comprometidos quase nunca resolve o problema de forma justa. Mesmo com ajustes estatísticos, a retirada de questões altera a distribuição das notas, afeta como os itens se relacionam entre si, distorce os parâmetros dos que permanecem e compromete a lógica geral do modelo usado no cálculo dos resultados.
“Dado o banco de itens existente, atualizado ou não, a prova tem que ser montada para evitar viés. Para isso serve o pré-teste: você aplica itens e identifica quais são mais fáceis ou difíceis, calibrando a prova”, disse o professor em entrevista a coluna Enem e Educação, nesta quarta-feira (26).
“Uma boa prova tem questões fáceis (que 80%–90% dos alunos conseguem resolver), questões difíceis (acertadas por apenas 5%–10%) e intermediárias. Com milhões de participantes, a distribuição de notas tende a ser gaussiana. A calibração é feita por meio do pré-teste, e a partir daí se ponderam as questões”, completou.
Quando ocorre um episódio em que questões praticamente idênticas são divulgadas e um número relevante de pessoas tem acesso a elas antes da aplicação — mais de 40 mil visualizaram a live com boa parte dos itens antecipados — o professor é categórico: "já houve um dano estrutural".
“Num exame classificatório, calibrado corretamente, muitos candidatos que estão próximos ao ponto de corte podem oscilar. Sempre há variação natural, mas quando existe informação privilegiada, esse equilíbrio se rompe. Candidatos que deveriam estar dentro ficam fora; e candidatos que deveriam ficar fora entram indevidamente”, explicou.
Mesmo que as questões anuladas sejam retiradas do cálculo, e o peso redistribuído, elas não vão corresponder mais à prova calibrada, destacou Fernando Campello.
“Anular itens gera ainda outro viés. Tenta-se ‘remendar’ o que não tem remendo. Só existe uma solução que não produz viés: refazer o exame. Mas o custo é imenso”, o professor afirmando ainda que O sistema mostrou-se vulnerável e que um exame classificatório como o Enem não deveria exitir margem para erro.
Escala comparativa
O professor de Matemática Marcelo Menezes endossa as críticas à gravidade da situação e considera absurda a postura do MEC e do Inep.
“O que os candidatos precisam saber é que aquele número que aparece na Página do Participante dizendo ‘você tirou x pontos’ não é uma nota, mas uma escala comparativa. Não importa se você tirou 2 e eu 3, ou 9 e eu 10. O que interessa é a posição relativa. E, para calcular essa pontuação, usa-se a Teoria da Resposta ao Item”, explicou Menezes.
“A estrutura é definida a partir da dificuldade de cada questão, para evitar um conjunto extremamente difícil ou extremamente fácil, permitindo classificar melhor”, afirmou.
Segundo Menezes, ao retirar itens, o equilíbrio da prova é alterado. Isso ocorre porque o modelo estatístico pressupõe coerência: quem acerta questões difíceis geralmente acerta as fáceis. Se alguém erra itens fáceis, o sistema tende a interpretar que um acerto em questão difícil pode ter sido chute — e reduz o peso desse acerto.
Quando uma questão fácil é anulada, essa lógica se quebra. O candidato que errou a questão anulada deixa de ser penalizado, enquanto aquele que acertou perde o benefício do acerto. "A diferença de entre o aluno que entra no curso de Medicina, por exemplo, é de milésimos", disse o professor de Matemática, que também defende a anulação da prova.
Após a realização de uma auditoria, o Inep disse à TV Globo, nessa terça-feira (25), que Edcley Teixeira não teve acesso prévio à prova deste ano e que, por isso, não pretende anular nenhuma outra questão. As três questões anuladas foram:
- Caderno Amarelo: 115, 121 e 178.
- Caderno Cinza: 115, 118 e 172.
- Caderno Azul: 123, 132 e 174.
- Caderno Verde: 132, 135 e 168.
- Caderno Laranja (Braile e ledor): 115, 118 e 172.
- Caderno Roxo (Libras): 115, 118 e 172.
Candidatos lançam abaixo-assinado
Um abaixo-assinado, lançado na plataforma Change.org, pede investigação rigorosa, transparência e ações imediatas do MEC e do Inep diante das denúncias da divulgação antecipada de questões do Enem 2025.
Segundo a autora da petição, Nathalia Samira, muitos candidatos que estudaram de forma honesta agora se sentem injustiçados diante do acesso antecipado ao conteúdo da prova.
Os organizadores do abaixo-assinado (https://www.change.org/p/anula-enem-2025) alertam que a falta de clareza ou de ação firme das autoridades pode abalar a credibilidade do exame e tornar o processo ainda mais desigual. Eles afirmam que ignorar o episódio representa um risco direto à confiança pública no principal sistema de seleção do país.
O grupo pede posicionamento oficial do MEC e do Inep, transparência total na apuração e garantia de que todos os candidatos concorrerão em condições justas. Para os autores, agir com rapidez e clareza é essencial para preservar a igualdade de oportunidades e manter o exame como instrumento confiável de acesso à universidade.