SÃO PAULO | Notícia

Crise, tecnologia e formação: principais desafios da educação no país discutidos na Bett Brasil 2025

Abertura do evento debateu questões urgentes como a adaptação educacional às tecnologias e a necessidade de formação de qualidade para docentes

Por Mirella Araújo Publicado em 28/04/2025 às 21:01 | Atualizado em 28/04/2025 às 22:50

"Educação para enfrentar crises e construir futuros regenerativos" é o tema central da 30ª edição da Bett Brasil 2025, que começou nesta segunda-feira (28) e segue até o dia 1º de maio, em São Paulo. O evento propõe uma reflexão aprofundada sobre o papel da educação na construção de um futuro mais saudável, resiliente e sustentável.

A diretora-geral da Bett Brasil, Claudia Valério, destacou que a escolha do tema deste ano reflete os desafios urgentes da atualidade, como questões sociais, ambientais e tecnológicas.

“Nós ouvimos muito falar sobre as mudanças climáticas e como isso impacta a educação, as escolas e até a forma de ensinar. Há também os desafios tecnológicos, a questão sobre como conseguimos levar essas novidades mundo afora. E, ainda, os desafios emocionais, que acredito serem talvez os mais urgentes e latentes no nosso setor”, afirmou durante a abertura do evento.

Segundo Claudia, a educação tem papel essencial na construção de soluções sustentáveis. “Estamos aqui hoje para fortalecer uma sociedade que se torne mais resiliente e capaz de endereçar esses desafios e construir soluções”, completou.

Debates estratégicos

As discussões sobre o futuro da educação no Brasil têm sido impulsionadas por temas que vão da educação básica ao ensino superior e profissionalizante. Um dos focos é o  novo Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em análise no Congresso Nacional, que definirá metas e diretrizes para a próxima década.

Para César Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), o PNE precisa ser mais do que “um documento frio”; deve ser um instrumento para imaginar e projetar a sociedade brasileira que se deseja construir.

Outro ponto importante trata do Novo Ensino Médio. A complementação das diretrizes, aprovadas no ano passado, deve ser homologada nesta semana pelo Ministério da Educação (MEC).

“São diretrizes relacionadas aos itinerários formativos, que não representam apenas opções para a juventude, mas também uma orientação clara para que os conhecimentos e conteúdos sejam mobilizados de forma crítica e criativa, tornando-se efetivamente relevantes para os jovens e para a sociedade brasileira”, destacou Callegari.

Essa reestruturação envolve também um aspecto crucial: a formação de professores. Segundo o presidente do CNE, nenhuma tecnologia substitui o profissional da educação como elemento central na relação humana e no processo de ensino e aprendizagem.

Construção de uma nova geração de professores

A valorização dos docentes é apontada como essencial para a construção de uma nova geração de professores no Brasil. Para isso, segundo especialistas, é necessária coragem política para investir na formação integral dos profissionais, unindo teoria e prática.

A vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), Amábile Pacios, lembrou que as instituições de ensino superior privadas são responsáveis por formar 67% dos professores que atuam na educação básica, tanto no setor público quanto no privado.

Desde junho do ano passado, a formação desses profissionais é orientada pela Resolução CNE/CP nº 4/2024, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior do Magistério da Educação Básica. A norma estabelece, entre outros pontos, que os cursos de licenciatura devem ter, no mínimo, quatro anos de duração e carga horária de 3.200 horas — das quais ao menos metade deve ser cumprida presencialmente.

"Evidentemente a formação dos nossos professores obedece essa legislação, e caminha com ela. Claro, está bastante atrasado o Marco Regulatório do EAD, e isso tem tumultuado bastante o nosso caminho da escola particular e também dos nossos professores, porque trava muitos caminhos", criticou Amábile.

O MEC defende uma regulação mais rigorosa para o ensino a distância, mas a aprovação do novo marco já foi adiada duas vezes. Para Amábile, além desse avanço, é necessário também um apoio mais consistente à formação dos docentes.

"Nós temos cada vez menos jovens querendo ser professor. Eu faço uma pesquisa na minha escola há 25 anos. Eu vou nas turmas dos terceiros anos e pergunto quem quer ser professor. No início, a cada 100 alunos que eu tinha, 20 deles queriam ser professor. Hoje, ninguém quer ser professor", relatou.

Diante desse cenário, Amábile também reforçou a necessidade de a sociedade valorizar o professor, lembrando que todos, em algum momento, passam pela formação proporcionada por esses profissionais.

Tecnologia não pode aprofundar desigualdades

O acesso à formação de qualidade precisa estar cada vez mais conectado às ferramentas tecnológicas. No entanto, essa conexão ainda é um desafio no Brasil, onde cerca de quatro mil escolas públicas seguem sem acesso à energia elétrica. A realidade se agrava diante da precariedade de infraestrutura em muitas unidades de ensino, que não contam com laboratórios equipados nem com o suporte necessário para efetivar a educação digital.

Para Anita Gea Martines Stefani, diretora da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação, a tecnologia deve ser um instrumento para promover a equidade educacional, e não para aprofundar as desigualdades existentes. “A tecnologia tem que ser utilizada para reduzir as desigualdades e não para ampliar os diferentes brasis”, afirmou durante participação no evento.

Segundo Anita, o governo federal tem atuado para enfrentar essas disparidades por meio da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, iniciativa voltada a fortalecer a infraestrutura básica das redes de ensino. Ela destacou também exemplos positivos em estados como São Paulo, Piauí e Pernambuco, onde escolas públicas têm alcançado altos níveis de desenvolvimento tecnológico. "São unidades que fazem o uso estratégico da tecnologia para garantir direitos, que é o nosso papel", ressaltou.

A presença da tecnologia no processo de aprendizagem entre professores e alunos é uma realidade irreversível. No entanto, essa evolução precisa ser acompanhada por uma formação adequada dos docentes, especialmente no contexto presencial. A preparação dos professores para o uso pedagógico das ferramentas digitais é vista como fundamental para garantir que a tecnologia atue como aliada no desenvolvimento educacional.

"É importante garantir que a tecnologia seja uma aliada, e que o ensino seja focado no desenvolvimento dos saberes digitais para o uso positivo", destacou Anita. Ela também ressaltou ainda a importância de iniciativas que promovam o uso responsável dos dispositivos, como a ação do governo federal que restringe o uso de celulares e outros equipamentos eletrônicos nas escolas.

Ainda de acordo com a secretária do SEB, o objetivo é construir um ambiente escolar que aproveite o potencial das tecnologias para a formação cidadã dos estudantes, sem que isso comprometa o foco e a qualidade do ensino.

Educação na idade correta para futuros sustentáveis

Dentro da temática sobre a construção de futuros regenerativos, o secretário executivo da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, Vinicius Neiva, destacou que ainda é necessário "dar alguns passos para trás" e enfrentar desafios básicos, como garantir a alfabetização na idade correta.

"Se a gente não resolver esse problema dentro de um curto espaço de tempo, vamos continuar formando um conjunto de alunos com dificuldade de escrever, ler e fazer operações básicas, que chegarão ao ensino superior sem dominar o essencial", alertou Neiva.

Em São Paulo, a meta é que 90% dos estudantes estejam alfabetizados na idade adequada. "Em abril de 2023, apenas 46% dos alunos estavam alfabetizados na idade certa. Conseguimos elevar esse número para 77%, muito com o apoio da tecnologia", explicou o secretário.

Neiva também ressaltou a necessidade de modernizar os currículos escolares diante das novas tecnologias e demandas do mercado. "Precisamos aprender a desaprender técnicas arcaicas e princípios que ainda resistem na educação. É uma escolha difícil, porque, ao acrescentar uma nova disciplina, temos que retirar outra, respeitando as 3 mil horas do ensino médio, por exemplo", afirmou.

Ele citou como exemplo países como China e Estados Unidos, que já incorporaram a Inteligência Artificial nos currículos da educação básica.

*A títular da coluna Enem e Educação viajou a convite da Bett Brasil 

 

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