Raquel Lyra joga no tempo de Lula enquanto João Campos corre riscos por apoio
O calendário eleitoral cria pressões distintas sobre Raquel Lyra e João Campos e ajuda a explicar a indefinição sobre o apoio de Lula em Pernambuco.
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O tempo é o elemento mais importante da política, e costuma ser aquele que decide as disputas antes mesmo do primeiro voto ser contado.
Em Pernambuco, olhando para 2026 e para as condições de cada candidato, esse fator ajuda a entender por que movimentos aparentemente simples, como uma viagem de última hora a Brasília, carregam tanto significado.
O tempo de Raquel Lyra (PSD) é o tempo de Lula (PT), que não é o tempo de João Campos (PSB), embora seja o prefeito do Recife aquele que, hoje, tende a receber o apoio do PT na eleição do ano que vem para o governo.
Essa diferença no tempo de cada um para definir a própria vida, mais do que alianças formais ou discursos públicos, ajuda a explicar o atual posicionamento dos atores no tabuleiro estadual.
Reaproximação
A governadora Raquel Lyra cancelou toda a agenda pública e entrevistas já marcadas na terça-feira (16) para atender a uma convocação do presidente Lula em Brasília.
O gesto não foi apenas protocolar e, para muito além dos anúncios que foram feitos, marca uma sintonia que parecia ter sido perdida. A ideia de uma reaproximação só faz sentido porque houve antes um afastamento.
Nos bastidores, o Palácio do Campo das Princesas vinha reclamando de avisos de última hora sobre agendas de Lula em Pernambuco, o que obrigava a governadora a desmontar compromissos previamente assumidos. A leitura interna era de que uma ala do PT preferia politicamente João Campos e, ao atrasar os avisos, acabava esvaziando a presença de Raquel Lyra nas agendas presidenciais.
Petrolina
Esse ruído ganhou forma concreta na penúltima visita de Lula ao estado. Avisada tardiamente, segundo fontes no Palácio, Raquel Lyra manteve agenda em Petrolina e não participou do evento presidencial. Era um recado.
O espaço foi competentemente ocupado por João Campos, que discursou como aliado central do petista e se apresentou publicamente como um "soldado de Lula" em Pernambuco. A repercussão foi expressiva.
A cena ajudou a consolidar um cenário de favoritismo do prefeito do Recife dentro do campo lulista.
Mas o comportamento mudou na visita seguinte. Com aviso antecipado, a governadora reservou toda a agenda para acompanhar Lula, dividiu o palanque com João Campos e conseguiu reequilibrar a cena.
Engajamento
Teve resultado. A coluna teve acesso a números das redes sociais dos políticos no dia da última visita presidencial. E eles indicam que, nessa última passagem lulista por aqui, o engajamento de Raquel nas redes superou o do próprio presidente e o do prefeito do Recife. A governadora liderou a repercussão digital, seguida por Lula e, em terceiro, João Campos.
Um discurso em que abordou o tratamento desigual por ser mulher ampliou ainda mais a visibilidade e reforçou sua presença no debate público.
Palanque
A discussão sobre o apoio de Lula em 2026 passa inevitavelmente pelo desenho do palanque em Pernambuco. Um apoio exclusivo a João Campos favoreceria muito o PSB. Um apoio exclusivo a Raquel Lyra fortaleceria o projeto de reeleição do PSD.
Já o palanque duplo, rejeitado pelo PSB, favorece objetivamente a governadora, que tem uma caneta mais pesada e maior alcance institucional por ocupar o comando do estado.
Calendário
É aqui que o tempo pesa de forma desigual. João Campos enfrenta uma limitação legal e política clara. Para disputar o governo do estado, precisará renunciar à Prefeitura do Recife até o início de abril de 2026, conforme a legislação eleitoral.
A Lei Complementar nº 64 de 1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades, e a interpretação consolidada do TSE exigem a desincompatibilização de prefeitos que pretendem concorrer a outro cargo eletivo, como o de governador, por exemplo.
As convenções partidárias, no entanto, só ocorrem entre o fim de julho e o início de agosto. Isso cria um intervalo de meses em que o prefeito deixaria o cargo sem ter garantia formal de apoio nacional ou definição clara do cenário regional.
Em abril, antes de renunciar ao mandato de prefeito para poder disputar o governo, Campos vai procurar Lula e dizer que conta com ele para a disputa em Pernambuco. O presidente certamente dirá: "Companheiro João, só decido isso em julho. Depois a gente conversa".
Não será por falta de compromisso com o socialista, mas o fato é que Lula só poderá decidir a própria vida quando outros partidos decidirem também, nacionalmente. O PSD, o MDB, todas essas siglas devem arrastar as discussões internas até o meio do ano. E Lula depende deles também.
Vantagem
Raquel Lyra não enfrenta esse obstáculo. Por disputar a reeleição para o mesmo cargo, a legislação eleitoral não exige seu afastamento do governo. Ela pode permanecer no exercício do mandato até o período das convenções, negociar alianças e ajustar discursos no mesmo ritmo de Lula.
O tempo da governadora coincide com o tempo do presidente, que também não tem pressa para definir palanques estaduais enquanto sua própria campanha nacional não estiver completamente desenhada.
Síntese
Lula opera no tempo que lhe é mais conveniente. Raquel Lyra acompanha esse ritmo, sem custo institucional imediato, porque a legislação lhe permite. João Campos, por imposição legal e calendário eleitoral, corre contra um relógio que não controla.
Antecipar os palanques e a discussão é importante para Campos, mas não interessa aos outros atores. É aí que mora o risco.