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O que fez Trump mudar não foi o perfume na barba do Lula

Trump não mudou por afinidade com Lula, mas porque o custo de manter o discurso bolsonarista superou os ganhos políticos e econômicos.

Por Igor Maciel Publicado em 07/10/2025 às 20:00

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A aproximação entre Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não nasceu de uma súbita afinidade entre líderes de estilos opostos. O que fez Trump mudar não foi o perfume na barba do Lula, mas o cheiro do dinheiro e o risco político no ar.

A ligação entre os dois presidentes é apenas o desfecho visível de um processo que começou a se desenhar quando a retórica bolsonarista deixou de render dividendos ao governo americano e passou a gerar custos econômicos políticos e diplomáticos.

Trump teve prejuízo de imagem e financeiro com a defesa do ex-presidente brasileiro. Isso custa muito caro para o líder americano.

Fim da agenda bolsonarista

Durante meses, Trump manteve um discurso alinhado à narrativa bolsonarista. Falava em injustiça, questionava condenações e alimentava o imaginário de perseguição política.

Mas quando o ex-presidente brasileiro foi condenado e o país, em maioria, reagiu com indiferença, sem grandes protestos, sem ruptura institucional, a equipe de Trump percebeu que havia acreditado em um mito, de certa forma, inflado.

O tamanho político de Bolsonaro, que parecia imenso nas redes e nos relatórios enviados por seus aliados, mostrou-se bem menor quando a realidade se impôs. Washington entendeu que insistir em um aliado fragilizado seria um erro estratégico. A partir dali, o silêncio sobre Bolsonaro chamou atenção.

Diplomacia reposicionada

A mudança de rota não foi improviso. Ela foi construída em reuniões discretas entre diplomatas e assessores dos dois governos. O Brasil deixou claro desde o início que não falaria sobre o Judiciário nem sobre processos contra Bolsonaro e sustentou isso.

Nos Estados Unidos, o poder executivo tem influência direta sobre procuradores e membros do sistema judicial, algo que não existe no Brasil. Esse detalhe institucional precisou ser explicado em detalhes ao governo americano em reuniões que pouca gente soube quando aconteceram.

Esses encontros envolveram, de um lado, o secretário de Comércio americano,Howard Lutnick, e o secretário de Estado, Marco Rubio. Do lado brasileiro, participaram o vice-presidente Geraldo Alckmin, e os ministros da Fazenda e de Relações Exteriores, Fernando Haddad e Mauro Vieira.

Foi a partir desse entendimento que a nova relação começou a se desenhar. A conversa entre Trump e Lula, portanto, foi apenas o ato final de uma costura diplomática que buscava reposicionar o Brasil no mapa de interesses americanos. Dessa vez, com informações mais realistas.

Negócios em primeiro lugar

O empresariado americano teve papel decisivo nessa virada também. As tarifas impostas por Trump sobre produtos estrangeiros, inclusive brasileiros, geraram alta de preços e insatisfação entre os setores produtivos locais.

O tarifaço prometia impulsionar a indústria americana, mas provocou o contrário: aumento da inflação sem crescimento da produtividade. Produtos como café e carne ficaram mais caros e o consumo interno desacelerou.

Além disso, como pontuou o cientista político Antônio Lucena, em entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio jornal, a estratégia de confronto tarifário atingiu países aliados como Brasil e Índia, empurrando-os para mais perto da China e da Rússia.

O resultado foi uma pressão intensa do setor privado para que o governo Trump ajustasse o discurso e voltasse a dialogar com os parceiros históricos. Foi aí que eles "se encontraram" no corredor da ONU.

Pressão eleitoral

Há também o cálculo político interno. Trump enfrenta queda de popularidade e teme perder o controle do Congresso nas eleições de meio de mandato de 2026.

As medidas impopulares, como o aumento de tarifas e o uso do Exército em cidades governadas por adversários, desgastaram sua imagem. Para recuperar terreno, ele precisa mostrar capacidade de recompor alianças e de agir com pragmatismo. O Brasil é peça importante nesse tabuleiro.

Construir pontes com Lula significa enviar ao eleitorado americano um sinal de estabilidade e liderança internacional no continente americano, ao mesmo tempo em que acalma o mercado e o empresariado.

A reaproximação

A partir da Assembleia Geral da ONU, os gestos de aproximação começaram a ganhar forma. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, manteve encontros positivos com o secretário de Estado americano, Marco Rubio.

A imagem de Rubio como um crítico do Brasil foi sendo suavizada, e o próprio Trump teria sinalizado que agora a ordem é fazer as pazes. O recado foi de que a fase das provocações acabou.

O novo eixo é o comércio. Essa reaproximação tem pouco de ideologia e muito de pragmatismo.

Política e dinheiro

O telefonema entre Trump e Lula foi apenas o símbolo público de uma mudança muito mais profunda. O ex-presidente americano entendeu que precisava corrigir rotas para não perder poder.

Lula, por sua vez, aproveitou o momento para reabrir canais e mostrar que o Brasil continua sendo um ator relevante no comércio global. No fim, ambos ganham algo. Mas o motor que moveu essa guinada não foi simpatia pessoal nem química diplomática. Foi conveniência, cálculo e oportunidade.

O que fez Trump mudar não foi o perfume na barba do Lula. Foi o cheiro do dinheiro, do fortalecimento político e a necessidade de produzir slogans de liderança internacional que ele vinha tendo dificuldade para emplacar.

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