Crise do metanol revela falência da fiscalização e prioridades distorcidas
Mortes e casos de cegueira provocados por bebidas adulteradas com metanol evidenciam o abandono da fiscalização pelo poder público.

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A tragédia envolvendo bebidas adulteradas com metanol tem tudo a ver com negligência estatal e com a dificuldade, de base ideológica, que o poder público ainda possui para eleger prioridades.
O consumo dessas bebidas já deixou vítimas fatais e casos de cegueira, um alerta que revela como a fiscalização falhou em proteger a população. Porque o que protege a população, nesses casos, é fiscalização. E ela deve ser exercida pelo estado.
Os destilados mais populares, como uísque, vodca e gim, se tornaram alvos de falsificadores que conseguem colocar seus produtos no mercado sem que haja a mínima garantia de segurança. O cidadão comum não tem como identificar a fraude, por mais cuidadoso que seja. Essa é uma tarefa que cabe ao órgãos de fiscalização, mas que vem sendo tratada com descaso.
É enquanto falha nessa obrigação que os agentes públicos discutem emendas, blindagens, impostos, anistias, além de temas ideológicos com o objetivo de inflar bolhas eleitorais, sem nenhum enfrentamento da vida real cotidiana.
Aparência enganosa
A ideia, no meio dessa tragédia, de que o consumidor pode se proteger observando detalhes da embalagem não passa de ilusão. Lacres, rótulos e garrafas são copiados com precisão pelos criminosos, que sabem exatamente o que enganar. Até sinais como arranhões não dizem nada, já que podem surgir durante o transporte ou no manuseio normal.
Exigir que alguém, em um bar, seja numa capital ou numa cidade do interior, confira números de registro do Ministério da Agricultura é um exercício de irrealidade e hipocrisia. Transferir essa responsabilidade ao consumidor serve apenas para mascarar a ausência de fiscalização que deveria ser permanente e rigorosa.
Qualquer dono de bar e restaurante que se preze, neste momento e no futuro, deveria estar torcendo para ser fiscalizado. Porque é a única forma de garantir a qualidade dos produtos oferecidos e atrair de volta clientes desconfiados.
Para isso, os governos e prefeituras precisam ter equipes com estrutura técnica para trabalhar nisso e não apenas para verificar alvará de funcionamento e cobrar impostos, como acontece.
Sem inspeções frequentes em bares, restaurantes e distribuidoras, não há como restabelecer a confiança do cidadão. A população fica vulnerável e desamparada, enquanto a rede criminosa encontra espaço para prosperar.
Prioridades invertidas
O poder público alega falta de recursos e de pessoal, mas o problema real é de gestão. O dinheiro existe, só não é usado onde deveria.
Em vez de garantir a segurança dos alimentos e bebidas consumidos todos os dias, o Estado se ocupa com disputas políticas e ideológicas que pouco interessam à vida prática da população.
Proteger deputados, perseguir adversários e alimentar disputas partidárias se tornaram tarefas mais urgentes do que fiscalizar produtos que chegam à mesa das pessoas.
Demora que custa caro
A falha não se limita à fiscalização. O tratamento para intoxicações também foi negligenciado. O antídoto contra o metanol já é conhecido e usado em outros países, chama-se "Fomepizol". Mas no Brasil sua liberação pela Anvisa ainda nem existe. Apenas depois de instalada a crise o processo foi acelerado e o Ministério da Saúde correu para importar o produto.
A demora custou vidas e agravou os efeitos da intoxicação. Este episódio mostra que o Estado falha tanto na prevenção quanto na resposta, deixando a sociedade sem proteção em todos os lados.