Sem estratégia mineral, Brasil vira alvo fácil de potências
O governo precisa sair da retórica defensiva e apresentar uma política mineral que trate as terras raras como ativo estratégico real.

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Mesmo com o avanço ainda muito tímido das conversas entre o Brasil e os EUA, já é possível entender parte do interesse real de Donald Trump com as ameaças de taxar em 50% tudo o que o Brasil exporta para lá. Fundamentalmente, não importa qual será a retórica do dia inteiro, ao cair da tarde, tudo com Trump é sobre dinheiro. Nas primeiras reuniões entre Geraldo Alckmin e o secretário de comércio dos EUA, surgiu o assunto "Terras Raras".
Trata-se de um grupo de 17 componentes encontrados na natureza e que são largamente utilizados na indústria de alta tecnologia. Adivinhe quem tem a segunda maior reserva do mundo. Isso, o Brasil. E ela quase não é explorada.
Trump quer acesso prioritário, exclusivo, amplo, irrestrito ao produto brasileiro que hoje ele é obrigado a comprar da China.
Impedimento prático
Em teoria, seria algo possível para colocar sobre a mesa de negociação. Na prática há alguns problemas, políticos e administrativos. O mais importante e crucial é que o Brasil não tem como prometer isso aos EUA. Se o fizer, será como o personagem malandro da Disney, o Zé Carioca, que vende o Pão de Açúcar para os turistas gringos todo dia dizendo que eles podem construir a casa deles por lá e depois some.
Explico: o acordo da União Europeia com o Mercosul, assinado em dezembro de 2024, prevê uma preferência dos países daqui, no acesso às Terras Raras, aos países de lá. O que os EUA querem, o Brasil já se comprometeu a ceder pra outro.
Ausência de estratégia
Ainda assim, Trump insiste. E insiste porque sabe que pode. O Brasil não tem uma estratégia industrial estruturada para lidar com as Terras Raras. Falta planejamento, regulação ambiental clara, infraestrutura de escoamento e capacidade de refino. Ou seja, não adianta ter a segunda maior reserva do mundo se ela permanece enterrada, longe do radar de investimentos. Esse vácuo de estratégia deixa o país vulnerável a pressões externas, exatamente como a que está em curso nos últimos dias.
Escolha delicada
O movimento americano é também uma mensagem ao mundo: ou o Brasil escolhe se alinhar com Washington, ou continuará pagando o preço do protecionismo norte-americano. E a escolha, claro, não é tão simples. De um lado, estão as promessas de acesso privilegiado ao mercado dos EUA. Do outro, compromissos já firmados com a União Europeia, que poderão ser considerados violados caso o Brasil atenda aos interesses americanos sem critério.
Política mineral urgente
O Brasil precisa, com urgência, construir uma política de Estado para o setor mineral, que estabeleça regras claras para investimento, exploração, exportação e parcerias internacionais.
É preciso investir dinheiro nisso também, se o objetivo é lucrar o máximo possível com a oportunidade. Caso contrário, continuaremos sendo apenas mais uma peça reativa na estratégia comercial de potências que já entenderam o valor geopolítico do subsolo, enquanto o Brasil brinca de ser grande sem trabalhar com seus atores políticos para legitimar isso.
Retórica improdutiva
Por falar em política, ela que deveria ajudar é exatamente o que atrapalha qualquer visão lúcida sobre o assunto Terras Raras. Bastou a simples menção ao interesse dos EUA para que Lula (PT) fizesse discursos com a narrativa de "invasão colonialista". O olho grande das maiores potências do mundo sobre o solo brasileiro é comparado ao período colonial português no qual o Brasil tinha seu ouro levado em troca de promessas vagas de proteção e desenvolvimento.
A preocupação existe e deve ser considerada para que não se repita esse ponto da história. Mas o caminho é investir em extração e refino, além de incentivar a indústria local de tecnologia, para gerar empregos e garantir uma fatia muito maior dessas riquezas. Não ficar sentado com cara de bobo orgulhoso, reclamando do "imperialismo norte-americano".