Cena Política | Análise

PGR: Bolsonaro é o líder e delação de Cid não foi tão importante assim

Cid ajudou, mas não é a base da acusação que reúne documentos, testemunhos e ações de governo para apontar ex-presidente como chefe nos crimes.

Por Igor Maciel Publicado em 15/07/2025 às 20:00

Clique aqui e escute a matéria

A Procuradoria-Geral da República apresentou, no Supremo Tribunal Federal, suas alegações finais em uma das ações penais mais relevantes e polêmicas desta República. Trata-se do processo que envolve a suposta tentativa de golpe de Estado articulada após as eleições de 2022. E duas coisas ficaram muito claras nesse texto que serve de base para o relatório do ministro Alexandre de Moraes e para o julgamento previsto para sucedê-lo.

Uma é a afirmação, taxativa, de que Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, foi o líder de uma organização criminosa que teria atuado para impedir a posse do presidente eleito. A outra é um desvio, um certo afastamento da delação de Mauro Cid para comprovar isso.

A ideia foi demonstrar que a delação foi importante, mas não é a única base da acusação. Cid, inclusive, pode acabar prejudicado por não ter sido totalmente sincero como delator e ter demorado a contar tudo o que sabia. Para a PGR, o tenente-coronel que foi ajudante de ordens de Bolsonaro deveria perder o benefício do perdão total a que teria direito e cumprir ao menos dois terços da pena a que for condenado. Se condenado, essa pena pode chegar a 43 anos.

Bolsonaro

Segundo o Ministério Público Federal, tudo o que aconteceu entre 2021 e o início de 2023, passando pela eleição, não se trata de uma sucessão de atos isolados, como a defesa tentou apregoar, mas de um processo contínuo e intencional, com início ainda durante o mandato, e que teria se estendido até o episódio de 8 de janeiro, com os atos violentos contra os poderes da República.

Jair Bolsonaro, afirma a PGR, foi o principal coordenador, o beneficiário político e o motor intelectual da operação. De acordo com o órgão, discursos reiterados contra o sistema eleitoral, ataques sistemáticos ao TSE e ao STF, além do incentivo a protestos antidemocráticos em frente a quartéis, configurariam uma estratégia para deslegitimar o processo eleitoral e criar um ambiente favorável a medidas de exceção.

Didático

O PGR Paulo Gonet tenta soar didático ao diferenciar crítica política legítima de ação golpista: não se trata, segundo a acusação, de criminalizar opiniões, mas de apontar atos com potencial concreto de ruptura democrática.

Para o MPF, a utilização de agentes públicos, a tentativa de cooptar setores das Forças Armadas e a existência de minutas de decretos de estado de sítio e prisão de ministros do STF demonstram que havia, de fato, um plano em andamento. O Ministério Público destaca ainda que o fracasso da tentativa de golpe que, segundo o órgão, só não se consumou pela resistência de parte dos comandos militares, não isenta os envolvidos de responsabilização.

Documentavam

A acusação do MPF é baseada em ações concretas que vão além da delação de Cid: produção de documentos, reuniões de articulação, uso de estruturas do Estado e mobilização de apoiadores em atos com apelo à ruptura institucional. Entre os elementos citados estão também os bloqueios rodoviários, o uso da Polícia Rodoviária Federal para dificultar a chegada de eleitores às urnas no segundo turno e a complacência de autoridades públicas durante os atos de 8 de janeiro.

Tudo isso seria parte de um mesmo processo, no qual a liderança de Bolsonaro teria sido decisiva, segundo o documento.

A peça jurídica chega a usar tom mais irônico ao dizer que os réus “faziam questão de documentar os crimes”.

Não foi só Cid

Há um esforço em todo o texto para não basear as conclusões na delação de Mauro Cid, demonstrando tudo o que foi obtido pelos investigadores, mesmo que eles tenham usado, como ponto de partida, a delação premiada. A ideia é enfraquecer os argumentos da defesa de que não há provas além da palavra de Cid.

Durante todo o processo os advogados de defesa se esforçaram para descredibilizar o julgamento, atacando o delator como alguém que estava inventando tudo para poder ser beneficiado. Além disso, procura demonstrar que Cid não ajudou tanto quanto se esperava e, por isso, não deveria ter o benefício completo prometido.

Lava Jato

Atacar o delator não é novidade. Para quem não lembra, o PT costumava usar essa mesma defesa na Operação Lava Jato. A ideia era sempre descredenciar o delator, ou afirmando que ele mentia para ter benefícios ou dizendo que ele fazia aquilo por alguma vingança contra o grupo. Os colaboradores na Lava Jato tinham direito a devolver dinheiro e escapar dos crimes, desde que os depoimentos fossem comprovados.

Agora acontece a mesma coisa e a delação foi comprovada materialmente também. A diferença é que o procurador-chefe sugeriu reduzir o benefício porque o delator teria usado uma “narrativa seletiva”, tentando proteger alguns enquanto jogava os outros à fogueira.

Memória seletiva

Os episódios serviram, inclusive, para a PGR reforçar que a delação não foi a única base das acusações. O problema era que Cid “esquecia” de contar alguns detalhes para não incriminar peças-chave do esquema, e quando a polícia ia à rua buscar provas, descobria as inconsistências.

Convocado para esclarecer, Mauro Cid afirmava ter “esquecido de mencionar” algum detalhe. As suspeitas de que havia um planejamento para conseguir um passaporte e tirar ele do país também não ajudaram Cid.

O delator, como sempre foi dito, poderia perder os benefícios se não fosse totalmente honesto. É o que pode acontecer, ao menos parcialmente.

Compartilhe

Tags