Trump "ajuda" aliados e impulsiona adversários no cenário global
Intervenções de Trump em outros países têm beneficiado presidentes adversários e enfraquecido líderes alinhados. Lula pode ser o próximo favorecido.

Clique aqui e escute a matéria
Bastava aos apoiadores de Bolsonaro (PL) acompanhar as notícias internacionais deste ano para tentar entender o efeito que Donald Trump tem quando se envolve na política de outros países. O apoio dele ajuda o adversário e derruba o aliado. Tem acontecido sempre.
Foi assim com os líderes de México, França, Reino Unido, Ucrânia e, o caso mais emblemático, o Canadá. Sempre que ele briga com um presidente ou primeiro-ministro, a popularidade do sujeito acaba melhorando.
Caso do México
O México foi ameaçado com taxas de 25% assim que Trump assumiu a presidência dos EUA em janeiro. A briga era diretamente com a presidente Claudia Sheinbaum.
A chefe do Executivo mexicano reagiu e enfrentou, afirmando que poderia negociar, mas não iria aceitar imposições do vizinho. Resultado: a aprovação dela subiu 5 pontos percentuais em uma pesquisa divulgada em março, chegando a 80% de avaliações positivas em sua popularidade.
A ameaça de taxar em 25% a União Europeia também rendeu frutos para quem enfrentou Trump. A França e o Reino Unido foram os que reagiram com mais firmeza e o resultado veio. Emmanuel Macron e Keir Starmer ganharam popularidade no período.
Confronto com Ucrânia
Com a Ucrânia o embate foi ainda mais duro. Trump o convidou para uma conversa no Salão Oval, com o claro intuito de constranger o colega, e assim foi. A cena ríspida, do presidente americano sendo duro com Volodymyr Zelensky em frente às câmeras, deixou o visitante perdido na hora, mas acabou tendo um resultado positivo em território ucraniano.
Zelensky cresceu 10 pontos percentuais nas pesquisas de popularidade do país. Ao invés de acabar com a guerra, forçando a uma negociação, Trump terminou dando mais fôlego ao país invadido pela Rússia.
Crise no Canadá
O caso mais emblemático até agora é o do Canadá, porque envolveu todo o processo eleitoral do país e virou a disputa. A sequência é a seguinte: em 6 janeiro deste ano, numa crise de popularidade imensa, o então primeiro-ministro Justin Trudeau renunciou ao cargo.
Poucos dias depois, Trump assumiu nos EUA. O partido de Trudeau no Canadá, o Liberal (centro-esquerda), estava enfraquecido por não conseguir ampla maioria na última eleição e ficou pressionado pela oposição.
O Partido Conservador, então, começou a construir uma sólida vitória considerada certa àquela altura. O líder dos conservadores, Pierre Poilievre, chegou em março com uma vantagem de 20 pontos percentuais nas pesquisas, e já mandava fazer o terno da posse.
Foi quando Trump, “tentando ajudar”, entrou em cena.
Reação canadense nacionalista
O presidente americano ameaçou o Canadá com taxação de 25% se não negociasse com ele, dando a entender que só Pierre Poilievre poderia salvar a situação quando assumisse. Além disso, propôs que o Canadá se tornasse o 51° estado norte-americano para “não ter que pagar impostos”.
A proposta causou um movimento de defesa da soberania nacional canadense que mexeu com todo o país. Grupos se organizaram em campanhas para que os canadenses comprassem produtos do Canadá e evitassem os dos EUA.
O favorito do partido conservador começou a derreter nas pesquisas e, na eleição, o Partido Liberal, o mesmo de Trudeau, conseguiu 169 cadeiras, superando os adversários que eram favoritos até a “ajuda” de Trump. Mark Carney, de centro-esquerda, acabou eleito.
Pierre Poilievre, que estava pronto para ser primeiro-ministro, terminou tão mal que nem renovou o próprio mandato na Câmara.
Críticas dentro dos EUA
Dessa vez, até dentro das fronteiras norte-americanas a medida fora do tom contra o Brasil causou surpresa e críticas. Nos jornais americanos chamou atenção um texto do Washington Post, que costuma apoiar Trump desde o primeiro mandato e, dessa vez, adotou um tom crítico sobre as consequências para a economia interna de “impor taxas de 50% à maior economia da América Latina”.
O New York Times, que sempre é crítico ao governo Trump, lembrou que o comunicado do presidente possui uma “mentira”, já que os EUA têm lucro na balança comercial com o Brasil e as medidas parecem ser apenas uma retaliação por causa de Bolsonaro.
Oportunidade para Lula
A carta de Trump em relação ao Brasil é uma grande oportunidade política para Lula que também poderá, com razão, empinar o discurso de soberania nacional e rechaçar a tentativa de interferência no país. O presidente petista tem recebido muita ajuda de quem tenta atrapalhá-lo.
Chega a ser impressionante como, na reta final de um percurso cheio de impopularidade, de um governo que não consegue mostrar resultados, os adversários conseguem criar situações que o fortalecem ao invés de prejudicá-lo.
E se na narrativa de “pobres x ricos” a demagogia era um imperativo, no embate com Trump o petista está correto em essência, porque tem como dever proteger o Brasil de ingerência externa.
Riscos para bolsonarismo
O prejuízo para os bolsonaristas está contratado no curto, no médio e no longo prazo.
Agora, sob o impacto da notícia, a medida afeta a imagem de Jair Bolsonaro e de Tarcísio de Freitas (Republicanos). O primeiro faz questão de se comportar como subalterno do americano, com orgulho e ingenuidade de fã emocionado. O segundo, na onda bolsonarista, já posou com boné de apoio a Trump e imediatamente a foto começou a circular esta semana.
No médio prazo, os efeitos econômicos dessa medida, se for mesmo implementada pelos EUA, devem aumentar o desemprego e a inflação no país. Tudo isso será conectado com manifestações bolsonaristas em favor dos EUA e aumentará a rejeição deles.
No longo prazo, até a eleição, tudo e qualquer coisa que der errado no país será imediatamente ligado a essa carta, provocada pela família Bolsonaro. Até o que não tiver qualquer relação com as taxas dos EUA, se for um resultado ruim do governo, será apresentado como resultado da relação entre os Bolsonaro e Trump.
Bolsonaro pediu, Trump gritou e Lula sorriu.