Cena Política | Análise

Alexandre de Moraes e o papel de "tia" na "Escolinha Infância Democrática"

A crise do IOF mostrou a infantilidade de políticos, reforçou a ideia de que o STF é solução para tudo e prejudicou ainda mais a separação de poderes.

Por Igor Maciel Publicado em 05/07/2025 às 20:00

A polêmica sobre o aumento do IOF serviu para legitimar Alexandre de Moraes como a “tia do maternal" em algo que poderíamos chamar de “Escolinha Infância Democrática”. O estabelecimento de ensino poderá ser considerado o mais prestigiado de Brasília: é onde deputados, senadores, ministros e até o Presidente da República vão quando precisam aprender a conviver constitucionalmente em harmonia.

Como os alunos são homens já velhos e barbudos, a imagem pode parecer meio ridícula à primeira vista. E você está correto, é ridículo. Mas o fato de terem que esperar a “tia” para que uma conciliação seja feita entre poderes legalmente constituídos, com integrantes eleitos pelo voto popular para estarem onde estão, denota um grupo de personalidade tão pueril que a gente chega a dar graças aos céus por ter algum adulto na sala.

Esse adulto ser Moraes é que é o problema, mas chegaremos lá no fim deste texto. Primeiro, é necessário entender a decisão dele.

Análises Jurídicas

Quem acompanha o programa Passando a Limpo deve ter uma ideia do que baseou a decisão do STF. É que, ao longo dos últimos dias, aconteceram entrevistas com dois juristas importantes na Rádio Jornal.

Mary Elbe Queiroz, pós-doutora em Direito Tributário, foi questionada sobre a constitucionalidade das ações do governo, que editou um decreto aumentando a cobrança de IOF, e do Congresso, que derrubou a medida por meio de um Projeto de Decreto Legislativo. Ela foi direta em um ponto específico: “É inconstitucional na origem, porque o governo não poderia ter criado um decreto para aumentar a arrecadação com IOF, já que esse tipo de imposto é, por natureza, regulatório e não arrecadatório”.

Erro Parlamentar

Em seguida, foi a vez do ex-desembargador e ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife Francisco Queiroz. O jurista também foi direto, dessa vez em relação ao Congresso. Segundo ele, usar o dispositivo do Projeto de Decreto Legislativo para derrubar um decreto sobre um assunto que faz parte das atribuições do Poder Executivo, da maneira como foi feito pelos parlamentares, é inconstitucional.

Em resumo: dois juristas, e cada um apontou um equívoco constitucional em algum momento da disputa. Um condenou a origem e o outro, o desfecho.

Decisão Surpreendente

O que Moraes fez, na verdade, foi confirmar que ambos estavam corretos na análise que fizeram. O magistrado decidiu que o decreto do governo estava errado e a derrubada dele também. IOF é regulatório e não pode ser usado para arrecadar, mas a forma como o Congresso derrubou estava equivocada.

A decisão significa que tudo volta a ser como era antes de o imposto aumentar, e o jogo terminou do jeito que o Congresso queria, embora os parlamentares também terão que se explicar. Moraes chamou as partes para uma conversa de “conciliação”.

A imagem que ficará para a história da República é a de Alexandre de Moraes moderando uma disputa, dando bronca no Executivo e no Legislativo, dizendo que "os dois estão errados" e mandando eles "crescerem". Terá razão em tudo o que disser.

A cena é que não poderia ter razão de existir, porque é perigosa para o Brasil.

Função Inexistente

Moraes não deveria moderar nada, porque não existe essa função no Brasil. Isso acabou em 1889, com o fim do Império.

Virou rotina um ministro do STF agir como se fosse poder moderador oficial da República, dando bronca em deputado, puxando a orelha de senador e ensinando presidente a governar. Ao decidir que todo mundo estava errado, o magistrado reforça a falsa ideia de que só o Supremo tem maturidade para manter o país em pé.

Quando um juiz indicado politicamente vira tutor de políticos eleitos popularmente, a democracia troca o voto pela toga como caminho para resolver tudo o que importa no país, até briga de criança barbada.

Tudo o que suplanta os efeitos e a influência do poder exercido pelo voto direto da população, atenta contra a democracia em médio e longo prazo. Toda vez que a "tia" precisa ser chamada o voto depositado nas urnas na última eleição perde um pouquinho de valor na cotação do dia.

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