Partidos da base estão dizendo a Lula que o amam, mas precisam ir embora
A realidade é de um governo de esquerda que terminou ficando dependente de políticos e partidos da centro-direita para sobreviver. Uma temeridade.

O governo gastou demais e precisava compensar de alguma forma. Editou uma medida provisória aumentando impostos e recuou parcialmente quando a recepção foi ruim no Congresso. A alternativa encontrada pela equipe econômica foi discutida com líderes partidários e os presidentes do Legislativo chegaram a participar de entrevista coletiva em clima de sintonia, amor e união.
Mas, logo depois, o Congresso se reuniu e aprovou urgência para derrubar o aumento do IOF. O governo precisava de tempo para fechar as contas, então acenou com o pagamento de emendas parlamentares e ainda aceitou um acordo para a derrubada de alguns vetos presidenciais que provocaram briga entre os petistas e devem elevar a conta de luz. Parecia que estava tudo bem na relação e o Executivo teria mais umas duas semanas antes da votação que anula a MP do IOF.
Pois bastou passar o feriado e Hugo Motta (Republicano) pautou a votação, sem dar tempo para o governo Lula pensar. A equipe econômica ficou perdida, a equipe de articulação política ficou transtornada. Estão até agora tentando entender o trem que os atropelou.
A verdade é que o governo está sendo abandonado pelos partidos que ainda estão com ministérios na gestão. E isso não é algo tão surpreendente assim.
Se virem
A situação é a seguinte: Lula gastou demais e precisa equilibrar o cofre. Existem mil e uma maneiras de fazer isso, inclusive com o aumento de tributos que os petistas tentam empurrar. Mas o Congresso está dizendo que não vai aceitar nada que não esteja baseado em um robusto corte de gastos.
Não é porque eles são zelosos com o dinheiro público. É fingimento e, na verdade, estão pouco preocupados com isso. Mas é um bom argumento eleitoral e uma boa desculpa para emparedar o governo.
Cortar mais gastos agora quando faltam 16 meses para o próximo pleito, convenhamos, significa limitar muito a possibilidade de reeleição do atual presidente. E quanto mais enfraquecido o governo estiver nesse período, mais vai depender do Congresso.
Mais caro
A salvação existe? Sim, sempre. Mas quanto maior for a dependência, mais cara ela é. E nesse caso pode não depender mais de dinheiro, nem de cargos.
Lula caiu numa armadilha da qual dificilmente conseguirá sair, mas não caiu inocente. O problema de agir da mesma forma com os mesmos atores é a confiança ingênua de que todos seguirão agindo com os mesmos propósitos, independente da realidade. Mas o tempo passou. Lula acreditou que poderia fazer o mesmo roteiro de seus outros governos, com muitos gastos de retorno eleitoral e a complacência de um legislativo desejoso de cargos, emendas e apoio de um líder bem avaliado para as próximas eleições. Deu tudo errado e está tarde para mudar o curso.
A realidade atual é de um governo de esquerda que terminou ficando dependente de políticos e partidos da centro-direita para sobreviver. É uma temeridade, uma imprudência tragicômica para quem tem tanta experiência política.
Tóxico
Ficar refém de quem tem pouco compromisso com você é se endividar duas vezes, no presente e no futuro. Esses políticos, apesar de apreciarem os cargos e outras benesses do poder, também precisam de votos para suas próprias eleições. E em suas bolhas eleitorais a aproximação com Lula é tóxica.
Quanto mais a eleição se aproxima, maior é a necessidade de se afastar, mesmo tendo cargos na gestão. Porque é na oposição que estão os eleitores capazes de lhes dar bancadas maiores.
Por outro lado, Lula não tem popularidade suficiente para virar votos nesses ambientes fora da esquerda. Com uma rejeição que nem toda a despesa do governo conseguiu resolver até o momento, o atual presidente tem muita dificuldade para converter eleitores que não lhe tenham simpatia.
Imagine um deputado do União Brasil de Goiás, por exemplo, onde a aprovação a Lula está entre as piores do Brasil. Por mais que o partido dele tenha ministérios e ele tenha cargos no governo, na hora do voto, estar associado ao petista é suicídio.
Trapalhões
Este é o momento do “eu te amo, mas preciso te deixar” ou “o problema não é com você, é comigo”, ampliado para os partidos da base que começam a abandonar o governo, como o União Brasil, o Progressistas, o Republicanos e até o PSD, todos com ministérios mas trabalhando nomes para a disputa presidencial.
A sobrevivência lulista depende de uma centro-direita que é alérgica a Lula e a alergia aumenta na medida em que 2026 se aproxima, exatamente quando o Executivo mais precisa porque não fez o dever de casa nos primeiros anos.
Por isso os sinais trocados, os acordos que se evaporam e a impressão de que a gestão Lula está cheia de trapalhões. A ideia é fazê-los parecer assim mesmo, antes de abandoná-los.
Não parece algo fácil de resolver e há quem diga que o governo Lula pode já estar se inviabilizando. A ver.