Almoço do STF sobre redes sociais pode ficar entre indigesto e inútil
Há um problema no sistema jurídico de qualquer país do mundo que é a influência do estado presente da sociedade sobre a interpretação legal.

Luís Roberto Barroso marcou um almoço com os colegas. O presidente do Supremo Tribunal Federal pretende encontrar, até a sobremesa, um consenso para a votação sobre a responsabilização das redes sociais. Nada a ver com o mérito da questão, porque para essa questão já existe maioria.
As plataformas serão responsabilizadas pelas postagens dos usuários e terão que retirar conteúdo criminoso. O que ainda está em discussão é o momento para isso acontecer, porque cada ministro tem um entendimento diferente.
O menu ainda tem três opções para a exclusão do material que atenta contra a lei: no momento da postagem, após reclamação extrajudicial ou somente com notificação judicial. E até mesmo essa definição é bastante polêmica em termos de proteção à vítima, censura e liberdade de expressão.
Critério
Imagine que os ministros do STF decidem obrigar as plataformas a retirar as postagens com conteúdo criminoso no momento em que elas são publicadas, antes de qualquer reclamação, por iniciativa própria. Qual seria o critério? A lei?
Há um problema no sistema jurídico de qualquer país do mundo que é a influência do estado presente da sociedade sobre a interpretação legal. No Brasil isso ficou mais evidente nas últimas duas décadas em que o ato de cometer crime ou não cometer crime passou a depender muito mais do ambiente político em vigor do que da letra da lei em si.
Ventos
Por causa de mudanças de ambiente político, o que não faltou nos últimos tempos foi culpado virando inocente e inocente virando culpado. O respeitável de hoje é o execrável amanhã. O que é senso comum hoje pode ser alvo de repúdio no espaço de uma eleição ou de uma operação policial.
Se é assim, quem garante que, tentando evitar processos judiciais, as plataformas de mídias sociais não estarão sempre buscando essa sintonia e, portanto, apagando previamente tudo o que desagradar o poder em vigor?
No médio prazo, esse comportamento enfraquece oposições e no longo prazo pode inutilizar a própria democracia.
Direto
Vamos imaginar então que os ministros optem pela segunda opção. As plataformas só serão obrigadas a apagar as mensagens após alguma notificação, mesmo que seja extrajudicial. O problema persiste. Alguém terá que reclamar para que o conteúdo seja retirado. A ideia do STF é que a reclamação seja da parte prejudicada pela postagem, claro. Isso vai favorecer grupos de pressão criados especificamente para atuar sobre as plataformas, tentando controlar as publicações.
Isso vai colocar as empresas que controlam essas redes expostas a um ambiente ainda mais arbitrário do que o das decisões judiciais. Se juízes acabam decidindo em acordo com a ambientação política, imagine quando a atuação sobre a responsabilização das plataformas puder ser exercida por grupos políticos, diretamente.
Menos ruim
Por fim, a opção menos ruim (que tem a maioria até o momento), é a preferência de Barroso, Dino, Zanin e Gilmar. No entendimento desses magistrados, as plataformas são responsáveis pelo que é publicado, sim, mas só podem ser punidas se, depois de uma ordem judicial, eles não tiverem ainda retirado o conteúdo.
E aí você tem outro problema, que é o do prolongamento do crime. O dano causado pela postagem criminosa se inicia no momento em que ela é publicada. A vítima começa a sofrer prejuízo com sua ação e continuará sendo atingida enquanto o conteúdo estiver exposto.
Quando somente após uma decisão judicial a plataforma é obrigada a retirar a postagem, o potencial de dano do crime acaba sendo ampliado. Uma declaração criminosa que em 24h foi vista por 100 mil pessoas pode chegar a milhões de usuários em uma semana.
E conhecendo a velocidade da justiça brasileira, é difícil acreditar em decisões rápidas o suficiente para acompanhar a internet.
Indigesto
Como isso poderia ser melhor resolvido? Se o Congresso estivesse trabalhando e não se escondendo de assuntos polêmicos, como faz em relação às redes sociais.
A regulamentação da atuação e responsabilidade dessas empresas precisa ser discutida. Existe regulamentação para todo tipo de empresa em atividade no país, porque isso não deve acontecer com as plataformas de mídias que ganharam tanta influência no debate político e social?
Mas isso precisa acontecer no Legislativo, com uma discussão ampla, ouvindo juristas, claro, mas também especialistas em tecnologia e comunicação. Porque, sem o debate técnico necessário, o risco de os ministros do STF estarem tomando decisões que não farão nenhum sentido daqui a seis meses é muito grande.
A covardia dos deputados e senadores brasileiros é que precisa ser questionada. Já o almoço de Barroso pode até levar a um entendimento entre os magistrados. Ainda assim, terminará indigesto. Ou inútil, antes mesmo do cafezinho.