Cena Política | Análise

Sobre o empréstimo na Alepe e como os deputados se complicaram

Na versão rasa da discussão, parlamentares "atrasam obras de propósito". A versão aprofundada tem detalhes importantes. Mas é o raso que garante voto.

Por Igor Maciel Publicado em 20/06/2025 às 20:00

Faz pouco tempo, a coluna alertou para o fato de que a Assembleia Legislativa de Pernambuco já havia perdido a narrativa no embate com o Palácio do Campo das Princesas sobre o empréstimo de R$ 1,5 bilhão travado na Casa. O prolongamento do impasse e um específico gesto desajustado de um deputado da oposição piorou ainda mais a situação e, quanto mais demorar, pior será.

Para o público geral, no qual estão a maioria dos votos, existem duas verdades nessa história toda. A primeira é que Raquel Lyra (PSD) é ruim de fazer política e não consegue fazer os acordos de articulação que são necessários nessas situações. Isso é ruim, mas não afeta diretamente a vida das pessoas. Por alguns, pode soar estranho, mas é visto até como uma distinção positiva.

A segunda é que deputados da Alepe são responsáveis por atrasar obras que poderiam estar sendo feitas no estado. As duas afirmações são verdadeiras, mas são rasas e reducionistas. Raquel não tem dificuldade com a política por ser inábil e o legislativo não está travando os empréstimos por puro prazer de atrapalhar.

O problema é que para aprofundar essas versões é preciso ter conhecimento razoável dos melindres jurídicos e políticos envolvidos, além de uma boa noção sobre a disposição do tabuleiro eleitoral. E a maior parte da população não tem essas habilidades. Então o que fica no ambiente é a versão rasa das coisas. Pior para os deputados.

O raso e o profundo

Não adianta desenhar números com cifras bilionárias tentando explicar quanto foi liberado e quanto falta liberar ou refletindo sobre empenhos, licitações, habilitações e editais como a oposição tem feito. No fim, a obra não ter sido feita “por culpa dos deputados” é o que restará na memória das pessoas. E a repetição incessante disso numa campanha política próxima, tendo como alvo os parlamentares que mais trabalharam para evitar a liberação do dinheiro, pode cobrar caro.

E isso acontecerá, mesmo se a Alepe não tiver nenhuma responsabilidade sobre o atraso.

Armadilha

Sem perceber que estava cometendo um erro, por agir mais com o fígado que o cérebro, deputados da Alepe estão se arriscando a ser responsabilizados por todo e qualquer problema na entrega de projetos que este governo vier a ter no futuro. Mesmo que não tenham culpa nenhuma. Mesmo que uma tempestade imensa aconteça e atrase todas as obras, ainda haverá gente dizendo que alguma estrada não ficou pronta porque “o deputado fulano de tal atrapalhou”.

O prejuízo desses parlamentares em 2026 está sendo construído agora, e com grande incentivo do próprio Palácio. Ou ninguém percebeu que há muito mais verbo do que ação real na intenção de resolver as coisas?

Era bom

E a Alepe ainda perdeu um de seus principais trunfos dos primeiros anos de atritos com a gestão palaciana, pois sempre que o governo reclamava de algo uma frase era repetida pelos deputados: “mas tudo o que o Executivo mandou para cá nós aprovamos”.

Esse argumento era forte e blindava o Legislativo de qualquer responsabilidade no resultado da gestão. Era algo simples, mas muito significativo. “Cumprimos nosso dever de fiscalizar e discutir, temos ressalvas, mas aprovamos para não prejudicar o povo de Pernambuco”. E agora?

Erro

Na própria discussão sobre o empréstimo, houve um ponto de virada em que os deputados ficaram enfraquecidos. Por mais que houvesse interesses partidários e pessoais na discussão entre liberação de emendas e liberação de empréstimos, era algo que acontecia dentro de uma troca de posições válidas sobre um tabuleiro político.

Aí surgiu a “brilhante” ideia de um deputado que sugeriu pegar metade do valor do empréstimo de R$ 1,5 bi e distribuir com todos os prefeitos do estado, baseado num plano que não tinha lógica administrativa, jurídica, bancária e atenta contra quase todos os princípios da administração pública. A ideia era tão bisonha, mesmo vinda de um quadro reconhecidamente bem preparado, que todos perceberam ser apenas uma manobra barata para atrapalhar a liberação do empréstimo.

Esse sentimento de “contra apenas por ser contra” contaminou a credibilidade de todo o debate vindo do Legislativo, até naqueles temas em que a Alepe tem toda razão. E, acredite, a Alepe tem razão em muita coisa.

E agora?

A melhor saída para os deputados agora é liberar os empréstimos e retomar o argumento de “aprovamos os projetos do governo”. Quanto antes do período eleitoral, melhor.

Ao mesmo tempo poderão prometer fiscalizar as obras, com comissões especiais e olhares de lince sobre qualquer atraso nos cronogramas. É uma forma de contornar a situação e a impressão da opinião pública. É algo que exige paciência. Mas para isso é preciso agir com o cérebro e deixar o fígado descansar. Vai ser possível depois de o tecido estar tão esgarçado?

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