Os atalhos que abandonam o julgamento de Bolsonaro aos ventos da política
Repetindo os erros da Lava Jato, foram pegos tantos atalhos para chegar à condenação que vai importar pouco saber se a condenação será justa ou não.

O julgamento de Jair Bolsonaro é semelhante a um jogo de palavras cruzadas disputado entre duas pessoas que falam línguas diferentes e formam frases que o outro lado não consegue compreender. No fim, os dois levantam batendo no próprio peito e garantindo que venceram, correm para comemorar com suas torcidas e celebram o próprio sucesso, independente do rumo que as coisas tomem.
Outra analogia adequada seria a de dois boxeadores que, ao terminarem o último round em pé, sobem nas cordas gritando que são vitoriosos, mesmo que um dos dois esteja inchado de tanto que apanhou. O fato é que Bolsonaro já tem a condenação como certa, então resta gritar para a torcida.
Circo
Isso é ruim para a Justiça. Quanto mais as pessoas conseguem antecipar o resultado de um julgamento, menos credibilidade essas mesmas pessoas dão ao processo penal e, consequentemente, às decisões das cortes, mesmo quando transitadas em julgado.
Funciona como num circo. O público vai apoiar mais se houver a possibilidade de alguma virada, uma reviravolta. O acrobata só encanta se fizer movimentos que não podem ser antecipados pelo espectador, ou será apenas um sujeito flexível numa roupa apertada se contorcendo.
Esta semana, a parte mais tensa do circo vai se desenrolar no Supremo Tribunal Federal, no julgamento pela tentativa de golpe que envolve o ex-presidente. É a fase dos depoimentos. Bolsonaro já convocou a torcida para acompanhar a transmissão. Esperam-se muitas frases de efeito, ataques de lado a lado, brigas entre os advogados. As torcidas vão se enfrentar nas redes.
E não mudará nem uma linha do resultado esperado para o julgamento.
Gambiarra
Essa mistura de reality show com circo ruim é péssima para a credibilidade do poder judiciário e acaba fortalecendo a ideia de perseguição que Bolsonaro tenta vender para seus seguidores.
É bem parecido com o ambiente que Lula (PT) criou quando foi acusado, julgado e condenado. Naquela época, quando se conversava com qualquer jurista sério, se ouvia que o então juiz Sergio Moro estava dando dribles na lei e no processo penal para garantir que o petista fosse preso. Uma frase que este colunista ouviu muito, mesmo enquanto Lula cumpria pena na carceragem da Polícia Federal, era “pegaram tantos atalhos no julgamento que basta o vento da política mudar para soltarem Lula e ele sair de peito aberto dizendo que sempre foi inocente”.
Não eram advogados petistas que diziam isso. Pelo contrário, eram críticos do PT que enxergavam o óbvio: gambiarra até junta, mas não cola.
Vento
Num mundo de redes sociais em que os cortes de vídeos para soltar na internet realizam mais do que a realidade, ninguém vai publicar uma fala completa do delator Mauro Cid ou um momento de pergunta e resposta na íntegra entre Alexandre de Moraes e Bolsonaro.
As publicações de trechos dos depoimentos que irão mostrar Bolsonaro “desmascarando” Mauro Cid ou “enfrentando” o juiz, irão se espalhar tanto que não vai dar para definir, pouco tempo depois, o que é real e o que é fantasia.
O STF vai conseguir condenar e até prender Bolsonaro após o julgamento. Isso já está na conta. Mas, repetindo os erros da Lava Jato, foram pegos tantos atalhos para chegar a isso que logo vai importar pouco saber se a condenação será justa ou não. E aí, “basta mudar o vento da política" para ele sair por aí gritando que "sempre foi inocente".