Nas disputas entre Assembleia e Governo onde fica Pernambuco?
O óbvio pode soar duro, mas é óbvio: deputados, secretários e governadores não são e não podem ser mais importantes do que o povo pernambucano.

Da audiência pública que aconteceu esta semana com o secretário da Casa Civil, Túlio Vilaça, uma questão ficou no ar e deveria ser respondida: Pernambuco é prioridade para os que estavam ali presentes?
Entre os muito assuntos de parte a parte, podemos destacar o atraso nas emendas de 2024 como cobrança feita pelos deputados presentes, por um lado, e o pedido por agilidade na aprovação de um empréstimo de R$ 1,5 bilhão para o estado, além da sabatina para oficializar o novo gestor de Fernando de Noronha. Estas duas outras questões levantadas pelo secretário aos parlamentares.
Em todas, o pano de fundo diz mais sobre falta de habilidade com burocracia e interesses privados ou partidários do que sobre algo com caráter público e republicano. É o que incomoda.
As justificativas para as cobranças dos dois lados vão da desorganização à pura e simples birra infantil. Para quem só olha a superfície da notícia pode parecer uma discussão comum entre dois poderes. Mas não é. Ou, ao menos, não deveria ser.
Emendas
O primeiro ponto é sobre o pagamento das emendas que deveriam ter sido repassadas aos municípios indicados pelos deputados em 2024 e não foram pagas. Algo em torno de R$ 80 milhões.
Não é pouco dinheiro e, sim, era obrigação do governo fazer o pagamento, gostando ou não. A justificativa do secretário, de que o ano foi atípico por causa das eleições, só convenceria se eleição fosse algo extraordinário para a rotina do brasileiro. Não é. Muito pelo contrário, tem eleição a cada dois anos. Toda gestão pública precisa saber como se adiantar às dificuldades burocráticas do período. Planeja antes e não passa perrengue.
Não inventaram a lei eleitoral em 2024. Então isso não deveria ser usado como desculpa. Os deputados têm direito a essas emendas e se comprometem com prefeitos para seu pagamento. É justo que se incomodem e reclamem.
Cadê os ofícios?
Por outro lado, o representante do governo afirma ter enviado comunicações sobre os atrasos oficialmente, e chegou a citar datas dos ofícios transmitidos. A Alepe diz não ter os registros das comunicações. O secretário ficou de enviar os comprovantes.
E essa história vai acabar com a certeza de que, ou de um lado ou do outro, há uma desorganização incabível para instituições tão importantes do poder público estadual.
Tem que ter muita paciência e fé em Deus para acompanhar o desenrolar disso.
Palácio
Aí vieram as cobranças do secretário. Primeiro foi a aprovação de um empréstimo já solicitado pelo governo, no valor de R$ 1,5 bilhão.
O deputado que presidia a audiência respondeu que “enviou ofício ao governo solicitando mais informações sobre o pedido de crédito”, e que ainda não recebeu retorno.
Em declarações feitas em outros momentos, dentro da assembleia, a oposição tem usado a liberação desse empréstimo para pressionar o governo pelo pagamento das emendas. É triste, porque o tempo não brinca com os estados nos tempos de hoje.
Necessário
Pernambuco sofreu para conseguir uma nota de crédito que permitisse conseguir os empréstimos que está conseguindo.
Esse dinheiro é necessário para obras de infraestrutura que viabilizem Pernambuco como um espaço aprazível para empresas que se instalem aqui e gerem empregos, mesmo quando não for mais possível oferecer subsídios, a partir de 2032, quando a reforma tributária estiver completamente em vigor.
Ver deputados usando esse dinheiro de empréstimos como trunfo para conseguir pagamento de emendas parlamentares, se o motivo for esse mesmo, é algo difícil de compreender.
Noronha
Mas o outro pedido do secretário, para que a Alepe marque a sabatina do indicado para gerir Fernando de Noronha é, talvez, a cereja desse bolo amargo.
O Legislativo ainda não marcou a sabatina e nem tem previsão de marcar. O motivo? Birra.
É isso mesmo, a justificativa dos deputados foi a seguinte: “Entendo a pressa, mas ficou um vácuo por parte do governo. Depois de 83 dias fizeram a indicação, corremos para marcar a sabatina e na véspera chega um documento desindicando aquela pessoa. Estamos construindo ambiente para, no momento oportuno, fazer a sabatina”.
Quem?
Ou seja, não há problema técnico, jurídico, nada formal que impeça a sabatina. Nas palavras ditas durante a reunião, os deputados ficaram chateados porque o governo “indicou uma pessoa, desistiu e indicou outra”.
É quase uma versão institucional do “quem vocês pensam que são”. É como se os parlamentares, do alto de uma glória de orgulho infindo, que não pode ser maculada, tivessem ficado chateados porque tiveram o tempo desperdiçado. E, por isso, a ilha ainda está sem um administrador em atividade.
É verdade que a hora trabalhada dos parlamentares é alta. Altíssima, para ser exato. Mas não precisa disso.
Desconforto
É verdade também que o governo mudou o indicado quando a Alepe já se preparava para sabatinar um nome anterior, e é verdade ainda que fez isso por uma mudança na conjuntura política.
Essa mudança tirou um partido da base de João Campos (PSB), o Avante, e parece ter deixado a oposição incomodada. Daí nasceu a birra. Porque só com birra é possível explicar o atraso para algo em que não há impedimento legal ou burocrático. A resposta do parlamentar deixa isso bem claro quando fala em “desconforto”.
O governo poderia ter se organizado melhor e até a própria base fica perdida com a gestão, quanto a isso não há o que discutir. Tem sido frequente e os deputados que apoiam o governo reclamam. Mas os parlamentares não têm que ter “desconforto”. Aprova ou não aprova e está resolvido.
Sobre o óbvio
De tudo isso, entre desorganização, desencontros formais e informais, mau humor mútuo e até “desconfortos”, sinceramente, o que de verdade pode ser enquadrado como preocupação com o Estado de Pernambuco, com o povo de Pernambuco, com o futuro de Pernambuco? É difícil de identificar.
É bom saber, como se sabe, que a relação entre Alepe e Palácio do Campo das Princesas está começando a se estabilizar mais nas últimas semanas. Infelizmente é mais pela força do que pelo consenso, mas é certo que a direção das duas instituições precisa se alinhar mais.
O óbvio pode soar duro, mas é óbvio: deputados, secretários e governadores não são e nunca serão mais importantes do que Pernambuco. Então, que as arestas sejam resolvidas o mais rápido possível para que o óbvio ganhe passagem.