VERIFICAÇÃO | Notícia

Trump não enviou recado ao Brasil sobre extradição de Zambelli, ao contrário do que afirma vídeo viral

Publicação usa imagens manipuladas por inteligência artificial e informações sem provas para sugerir apoio de Trump à deputada acusada pelo STF

Por Thiago Seabra Publicado em 13/06/2025 às 18:09

Não há registro de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenha se manifestado publicamente sobre um eventual pedido de extradição da deputada Carla Zambelli (PL-SP), diferentemente do que afirma um vídeo publicado no TikTok.

O conteúdo analisado alega que o governo norte-americano estaria inclinado a recusar a extradição por considerar o caso uma perseguição política disfarçada de justiça.

A publicação afirma que a informação seria baseada em “fontes próximas ao presidente americano”, mas não apresenta qualquer evidência que comprove a existência dessas fontes ou de uma fala oficial de Trump.

Até a publicação desta verificação, não houve registro público de declarações do ex-presidente norte-americano sobre o caso, tampouco menções a uma perseguição política, tentativa de silenciar a oposição no Brasil ou qualquer tipo de intervenção em um eventual processo de extradição.

A única afirmação do vídeo com algum registro em veículos jornalísticos é sobre uma possível recusa do governo do norte-americano a um eventual pedido de extradição da deputada brasileira.

Uma nota da coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, afirmou que integrantes do governo Trump teriam sinalizado a bolsonaristas que um pedido de extradição da deputada federal brasileira seria negado pelos Estados Unidos.

A informação foi publicada em 4 de junho, um dia após vir a público a informação de que a parlamentar tinha deixado o Brasil e estaria nos Estados Unidos.

Desde então, Carla Zambelli já deixou os Estados Unidos e viajou à Itália, segundo informação do aliado da deputada e ex-comentarista Paulo Figueiredo e da própria assessoria de Zambelli, divulgada em outra reportagem da Folha, em 5 de junho.

Zambelli é alvo de mandado de prisão expedido em 4 de junho e atualmente em aberto, conforme mostra o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP), e teve o nome incluído na lista vermelha da Interpol.

O g1 e a CNN informaram que a Polícia Federal (PF) já descobriu o paradeiro de Carla e que a prisão depende das autoridades italianas.

Quem criou o conteúdo investigado?

O conteúdo foi publicado no TikTok por um perfil que conta com 53,5 mil seguidores e acumula 484 mil curtidas na plataforma. O vídeo verificado alcançou 167,6 mil visualizações e 11,6 mil curtidas até o momento em que esta verificação foi publicada.

Na descrição, o perfil se apresenta com a frase: “Nos bastidores do poder, nada é por acaso. O que a mídia cala, a gente fala.”

Embora o termo “bastidores” seja usado na descrição e no nome da conta, não há qualquer informação sobre quem é o titular do perfil e nem se ele teria autoridade para obtenção de informações e bastidores sobre a Casa Branca.

A página costuma compartilhar vídeos exaltando lideranças de direita, como Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, e retratando outras figuras, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, de forma negativa e caricatural.

O Comprova entrou em contato com o responsável pelo perfil por meio da própria plataforma TikTok, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado?

A publicação utiliza uma combinação de linguagem alarmista para reforçar uma narrativa de perseguição política. O Comprova analisou as imagens utilizadas pelo perfil e verificou que há 99,9% de chances de terem sido manipuladas por inteligência artificial.

O vídeo afirma, sem apresentar provas, que Trump teria se posicionado contra a extradição de Zambelli, com base em “fontes próximas” não identificadas.

A retórica apela à emoção do público, com frases de efeito como “a liberdade virou alvo” e “a justiça virou arma”, sugerindo que opositores do governo são vítimas de injustiça.

As imagens reforçam visualmente essa ideia, retratando Trump e Zambelli como aliados em gestos simbólicos, enquanto figuras como Moraes e Lula aparecem em cenários escuros, com expressões ameaçadoras ou associadas a símbolos de autoritarismo.

O uso desse tipo de representação visual ajuda a tornar o conteúdo mais convincente, mesmo sem evidências factuais.

Trump poderia recusar pedido de extradição

Caso houvesse pedido de extradição de Zambelli ao governo norte-americano, a gestão Trump teria legitimidade para aceitar ou recusar a solicitação.

Como a parlamentar rumou para a Itália dias depois, o pedido de extradição solicitado por Moraes ao Ministério da Justiça no dia 7 de junho seria endereçado ao governo da Itália, e não aos Estados Unidos.

O Tratado de Extradição entre Brasil e Estados Unidos, promulgado em 1965, prevê a possibilidade de extradição para condutas consideradas crimes nos dois países, com penas superiores a um ano de prisão.

No entanto, o dispositivo também prevê que a extradição poderá ser analisada pela autoridade do país ou mesmo não ser concedida em determinadas situações.

A legislação norte-americana que define normas para extradições com países em que há tratado internacional prevê que um juiz federal poderá emitir mandado de prisão e avaliar o pedido de extradição do país estrangeiro, mas a decisão final cabe ao Departamento de Estado, que pode considerar critérios políticos e diplomáticos para aceitar ou rejeitar o pedido de extradição.

Ao Comprova, James Onnig, professor de Geopolítica da Faculdade de Campinas (FACAMP), destacou que “no caso da ex-deputada, a situação é muito complicada porque ela vai alegar que está sendo julgada por um crime político, quando na verdade está sendo julgada por um crime de ciberterrorismo, invasão de sistemas informática, do judiciário brasileiro, tentativa de forjar documentos falsos.”

Em maio deste ano, os Estados Unidos anunciaram uma política de restrições de visto a autoridades estrangeiras que emitam ou ameacem emitir mandados de prisão contra cidadãos ou residentes norte-americanos por conta de publicações em redes sociais.

A medida, incluída na Lei de Imigração e Nacionalidade do país, foi vista como uma possível sanção a Moraes.

O ministro foi citado em fala do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em uma audiência em maio no Congresso americano.

Rubio afirmou que havia “grande possibilidade” de sanção contra o brasileiro.

Ao Comprova, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que recebeu do Supremo Tribunal Federal a documentação referente ao pedido de extradição de Carla Zambelli.

O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) encaminhou o material ao Ministério das Relações Exteriores, na quarta-feira (11), para que fosse feita a tramitação diplomática junto à chancelaria italiana.

No caso da Itália, o país tem caminhos semelhantes, com possibilidade legal de aceitar ou rejeitar eventual pedido de extradição.

Fontes que consultamos

Para esta verificação, o Comprova consultou reportagens da Folha de S.Paulo e informações oficiais do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões. Também foi ouvido o professor James Onnig, da FACAMP.

Para analisar as imagens utilizadas no vídeo, foi usada a ferramenta Hive Moderation, que auxilia na identificação de elementos gerados por inteligência artificial.

A ferramenta aponta probabilidades de manipulação digital, mas seus resultados devem ser interpretados com cautela, funcionando como um indicativo complementar dentro do processo de verificação.

Por que o Comprova investigou essa publicação?

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.

Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já publicou que Trump não chamou Lula de “palhaço corrupto”; áudio foi manipulado digitalmente e imagem do presidente dos Estados Unidos ao lado de cadeira com nome de Bolsonaro foi criada com IA.

A checagem foi publicada em 13 de junho de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.

A investigação foi conduzida pelo Jornal do Commercio, NSC Comunicação e UOL, e o conteúdo também passou por verificação de Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e Estadão.

Saiba como assistir aos Videocasts do JC

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