MEU NOME É GAL

"Meu Nome É Gal" traz show de Sophie Charlotte e um belo retrato de Gal Costa

Ainda que derrape, filme biográfico "Meu Nome É Gal" é uma linda homenagem à cantora.

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Thallys Menezes

Publicado em 10/10/2023 às 18:53 | Atualizado em 10/10/2023 às 19:01
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"Você é a maior cantora do Brasil", teria dito João Gilberto a Gal Costa, após ouvi-la cantar.

Deixando de lado discussões subjetivas sobre quem é melhor em que na música brasileira, é inegável a imponência de Gal, desde que a artista despontou pela primeira vez até seu inesperado falecimento.

Seus agudos únicos romperam barreiras, e assim adentraram até algumas das residências mais "caretas" do Brasil.

Falar de Gal Costa era falar de alguém multifacetada, que marcou a memória de grupos tão distintos.

Desde adultos que em sua juventude suspiravam pelo tropicalismo diante de tempos difíceis até crianças que tinham os fins de tarde embalados por "Baby" ou "Domingo" no rádio.

Capturar a grandeza de um ícone como esse em um filme sem dúvidas é um grande desafio.

Ainda que sinais dessa dificuldade estejam presentes em "Meu Nome É Gal", que estreia dia 12 nos cinemas nacionais, o longa cumpre sua missão com sucesso.

Maria da Graça, Gracinha e Gal

Reprodução/Paris Filmes
Sophie Charlotte em "Meu Nome É Gal" - Reprodução/Paris Filmes

Dirigido por Dandara Ferreira e Lo Politi, "Meu Nome É Gal" vai à contramão de muitos filmes biográficos, e não visa fazer um resumo da carreira de Gal Costa na totalidade.

O filme acompanha a cantora entre os anos de 1967 e 1971, começando com sua mudança da Bahia para o Rio de Janeiro.

Essencialmente, o filme acompanha a transformação da baiana Maria da Graça Penna Burgos Costa no ícone de sucesso Gal Costa.

Na trajetória mostrada no filme, vemos Gal ao lado de outros grandes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso (Rodrigo Lélis), Gilberto Gil (Dan Ferreira) e Maria Bethânia (Dandara Ferreira, diretora do filme).

Estão presentes na produção momentos emblemáticos da carreira de Gal; a criação de seu nome artístico pelo empresário Guilherme Araújo (Luis Lobianco); a gravação do disco "Domingo" com Caetano; a emblemática performance de "Divino Maravilhoso" no 4º Festival de Música Popular Brasileira, em 1968.

"Por isso essa voz tamanha"

Reprodução/Paris Filmes
Caetano Veloso (Rodrigo Lélis), Gal (Sophie Charlotte) e Dedé Gadelha (Camila Márdila) - Reprodução/Paris Filmes

A escolha de limitar a linha temporal do filme se mostra predominantemente acertada, evitando o erro de filmes biográficos estrangeiros como "Elvis" e "Rocketman", que caem na superficialidade na tentativa de cobrir um "terreno temporal" muito grande na carreira dos artistas. 

Através do roteiro do filme, é possível conhecer, de forma envolvente e coesa, um pouco mais sobre a cantora, sempre tão reservada sobre sua vida pessoal.

O filme também ajuda a conquistar o espectador através da ótima performance do elenco.

Entre os coadjuvantes, Rodrigo e Dandara estão muito bem como os irmãos Caetano e Bethânia, ainda que a presença dessa última no filme seja bastante curta.

Porém, os grandes destaques entre os secundários são Dan Ferreira, que reproduz perfeitamente os maneirismos de Gil, e Chica Carelli, encantadora como Dona Mariah, mãe de Gal.

E, naturalmente, Sophie Charlotte merece muitas palmas. Assim como André Beltrão, em "Hebe", a atriz global driblou a falta de semelhança física com a figura que retrata com uma atuação de qualidade.

Nascida na Alemanha e com seu natural sotaque carioca, Sophie conseguiu imprimir um tempero baiano natural à sua voz, trabalhando-a para lembrar, com semelhança às vezes assombrosa, a de Gal.

Esse detalhe chama a atenção especialmente em cenas faladas, ainda que as que incluam canto também sejam boas.

Ninguém canta ou cantava como Gal, mas mesmo que a voz de Sophie tenha diferenças notáveis, o resultado, ainda assim, é bastante satisfatório.

Seria possível apreciar ainda mais o trabalho vocal de Sophie se o longa alternasse menos entre a voz de Sophie e a voz original de Gal, que foi utilizada em cenas de gravação em estúdio. 

O modo como ambas foram alternadas acaba por distrair o espectador, prejudicando um pouco a imersão.

O Legal e o Fa-tal

Reprodução/Paris Filmes
Pôster de "Meu Nome É Gal" - Reprodução/Paris Filmes

Através da trajetória de Gal, o filme também abre espaço para falar da ascensão da Tropicália e do papel da arte em meio à dura realidade da ditadura militar.

As cenas de "Meu Nome É Gal" são intercaladas com imagens de arquivo das ruas que, além de situar temporalmente o longa, também mostram a forte repressão promovida pelo regime.

A abordagem lembra as origens da diretora Dandara Ferreira, responsável pela série documental "O Nome Dela é Gal" antes da produção do longa. 

O recurso é interessante, mas também gera uma sensação de limitação e confinamento, uma vez que a maioria das cenas com atores são em ambientes internos.

Sequências essas, inclusive, que se destacam pela direção envolvente e pela ótima caracterização do elenco, especialmente nos atores que menos pareciam com seus personagens.

Além disso, a ordem de acontecimentos do longa, apesar de relativamente coesa, também apresenta escolhas estranhas, como a intercalação um tanto caótica de momentos tristes e felizes em meio a momentos marcantes da carreira Gal e da repressão da ditadura militar.

A seção final do filme sofre mais com esse problema, ao misturar, de forma um tanto corrida, o sofrimento de Gal devido à prisão e ao exílio de Caetano e Gil, sua relação com a mãe e a ascensão da carreira, por meio de obras como o disco Legal, de 1970.

Um exemplo é o pouco tempo dedicado à icônica turnê "Fa-Tal - Gal a Todo Vapor", que poderia funcionar como grande catarse do longa, mas é reduzida a uma curta sequência.

De forma geral, o filme pinta um quadro multifacetado da cantora, mas fica uma sensação de quero mais, tanto pela qualidade do que foi apresentado, tanto pelo que ficou de fora. 

"O show não vai acabar"

É essa a frase entoada pela Gal Costa interpretada por Sophie Charlotte antes de entrar no palco, em uma das cenas mais emblemáticas de "Meu Nome É Gal"

No longa e fora dele, a fala representa tanto a longa e rica carreira da intérprete e também sua resistência à repressão e à caretice.

Apesar de determinados percalços, o longa de Dandara Ferreira e Lô Politi cumpre satisfatoriamente sua função de tributo, filme biográfico envolvente e de pequena janela para sabermos um pouco mais sobre Gal. 

Um ícone desse tamanho nunca caberia num filme com todas as suas nuances.

Mas há de que convir que foi bonito de ver as que foram mostradas na telona dessa vez. 


(Vídeo: Thallys Rodrigo/SJCC)" />

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