Novo Código Eleitoral levanta preocupações sobre uso político de templos religiosos
Projeto em discussão no Congresso abre brecha para realização de campanha política em igrejas e reduz punição por ‘abuso de poder religioso’

O debate em torno do novo Código Eleitoral, atualmente em discussão no Congresso Nacional, tem provocado controvérsias sobre o papel da religião nas campanhas políticas. Um dos pontos mais sensíveis do texto diz respeito à possibilidade de flexibilização das regras para a realização de propaganda eleitoral em templos religiosos, o que, segundo especialistas, representa um risco à isonomia entre os candidatos.
Segundo o advogado eleitoral Antônio Ribeiro, a legislação vigente já proíbe a propaganda em espaços de uso comum da população, o que inclui não apenas praças e cinemas, mas também igrejas. Em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, ele declarou que permitir eventos políticos em templos, mesmo que em caráter privado, é uma proposta preocupante.
"O que a gente observa é uma tentativa de criar uma exceção quando se fala em possibilidade de se fazer propaganda eleitoral nesses lugares, desde que sejam eventos privados, fechados... isso é muito arriscado”, analisou Ribeiro.
Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não tenha reconhecido formalmente o abuso de poder religioso como categoria específica, já existe jurisprudência que admite a ocorrência de outras formas de abuso — político e econômico — em contextos religiosos.
"O TSE já se pronunciou e disse que é possível ocorrer outros tipos de abusos, abuso de poder político, abuso de poder econômico, quando realizado ou praticado dentro de templos religiosos e também por figuras que são chefes de igrejas ou de cultos”, pontuou o advogado, completando que essa interseção entre fé e política pode contrariar os princípios do Estado laico, conforme estabelece a Constituição.
Para o advogado, permitir campanhas em ambientes religiosos violaria diretamente o princípio da igualdade entre os candidatos. “Sem dúvida alguma, haveria a quebra da paridade de armas, o princípio da igualdade, ele seria violado, porque alguns seriam beneficiados pelo acesso a templos religiosos e igrejas, enquanto outros não teriam direito a participar ou ter votos pedidos nesses ambientes.”
O especialista entende que permitir que líderes religiosos exerçam influência direta nas disputas eleitorais pode comprometer a integridade do processo democrático. “Corremos um grande risco se permitir que esse tipo de conduta ocorra, de monopolizar a política nos grandes centros religiosos ou que o poder político passe para essas figuras, chefes de religiões, violando os princípios básicos da igualdade, isonomia, já que nem todos terão acesso a esses locais para expor suas campanhas.”
A fiscalização, no entanto, representa outro obstáculo. Ribeiro destaca a limitação estrutural da Justiça Eleitoral para conter abusos dessa natureza. Para tentar suprir essa deficiência, ele destaca a importância da participação da sociedade.
"Nós sabemos que o tamanho do Estado não permite que nós tenhamos uma fiscalização de fato efetiva. A fiscalização da lisura do pleito eleitoral ou das campanhas deve ser tripartida, entre candidatos, população e os eleitores. Nós precisamos buscar a conscientização da população para que em casos como esse sejam feitas denúncias, porque só assim a máquina estatal poderá atuar.”
O advogado também lamenta que o novo código deixe de contemplar a tipificação do abuso de poder religioso, o que considera uma oportunidade perdida. “Nós estamos perdendo a oportunidade inclusive do novo código de tipificar o tipo de abuso de poder religioso que hoje não existe.”
A proposta do novo Código Eleitoral segue em debate no Congresso e ainda deve passar por ajustes antes de sua eventual aprovação.