Pastor Everaldo batizou Bolsonaro

TRIS IN DEM Suspeitas de corrupção atingem governador do Rio. Investigações envolvem compras e contratações na pandemia

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Agência Estado
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Publicado em 29/08/2020 às 2:00
CARL DE SOUZA/AFP
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) - FOTO: CARL DE SOUZA/AFP
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Duas operações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal que focaram escândalos na saúde, Favorito e Placebo, estão na raiz da crise que implodiu o governo do Rio, Wilson Witzel (PSC), que nesta sexta-feira (28) foi alvo da Operação Tris in Idem. De forma monocrática, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Benedito Gonçalves, determinou o afastamento do governador do Rio por seis meses. As investigações apontaram supostos indícios de corrupção em compras na área de saúde durante a pandemia do novo coronavírus. Os gastos sem licitação chegaram a mais de R$ 1 bilhão e envolveram a contratação terceirizada de hospitais de campanha - a maioria dos quais não chegou a ficar pronta - e a aquisição de respiradores. Segundo se constatou, os aparelhos não eram adequados e em sua maior parte não foram entregues.

Em maio, o empresário Mário Peixoto foi preso preventivamente por suspeita de envolvimento em fraudes nos contratos de construção desses hospitais - eles foram erguidos pela organização social Iabas, sendo que as empresas de Peixoto foram as principais fornecedoras de mão de obra.

O empresário tem estreita relação com Witzel. Durante a campanha eleitoral, em um dos debates, o candidato a governador e senador Romário (Pode) acusou o então postulante do PSC de ter ligações com Peixoto, até então personagem desconhecido dos bastidores da política fluminense.

Peixoto foi preso preventivamente na Operação Favorito, em maio, e desde então está na cadeia. A Operação Placebo, no mesmo mês, aprofundou investigações do suposto esquema na saúde e levou as apurações em direção a Witzel e sua mulher Helena. A Placebo levou à primeira busca e apreensão no Palácio Laranjeiras e feriu mortalmente o governo, que passou a ser alvo de processo de impeachment.

Witzel e integrantes da oposição acusaram o governo do presidente Jair Bolsonaro - que cumprimentou publicamente a PF pela ação - de uso político da polícia. Uma declaração da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), supostamente antecipando as investidas contra governos oposicionistas, reforçou as suspeitas. A parlamentar negou ter tido informação privilegiada, mas ganhou o debochado apelido de "Mãe Zambelli", por sua suposta capacidade de premonição.

Paralelamente às ações federais, o Ministério Público do Rio abriu investigações no âmbito local, que chegaram ao ex-secretário de Saúde Edmar Santos. Afastado no início dos escândalos, ele foi blindado inicialmente pelo governador, que o exonerou da pasta para, no mesmo dia, nomeá-lo como "secretário extraordinário de Acompanhamento das Ações Governamentais Integradas da covid-19", cargo que deixou de ocupar pouco tempo depois.

Preso em julho, Edmar Santos foi apontado como um dos responsáveis pelo suposto esquema de corrupção. Dos sete hospitais de campanha prometidos, apenas dois foram inaugurados. Além disso, mil respiradores foram comprados, mas apenas 52 acabaram entregues - nenhum era adequado para o tratamento da covid-19.

Durante operação de busca e apreensão, o MP fluminense apreendeu cerca de R$ 8,5 milhões em um endereço que seria ligado ao ex-secretário. A imagem das centenas de cédulas, que foram contadas com auxílio de máquinas e funcionários do Banco do Brasil, chocou os fluminenses e desgastou ainda mais o governo Witzel.

O ex-secretário de saúde do Rio foi solto em 6 de agosto, após fechar acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), que assumiu todas as investigações do caso. O pedido de soltura foi apresentado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo e aceito pelo STJ. A delação de Santos comprometeu ainda mais o governador Witzel.

Em manifestação encaminhada à corte, a subprocuradora-geral afirmou ver indícios de participação do chefe do executivo estadual na cúpula da suposta organização criminosa montada para desviar recursos públicos. O desdobramento disso foi visto nas ações de ontem.

Em pronunciamento após ser afastado, Witzel se disse traído pelo ex-auxiliar. Chamou-o de "vagabundo" e "canalha". Também afirmou ser inocente e alvo de ação política de opositores e criminosos insatisfeitos com seu governo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a pedir sua prisão, mas foi negada pelo ministro do STJ.

Coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, o procurador Eduardo El Hage, do MPF, rechaçou a alegação do governador. "Não tem qualquer motivação política, muito pelo contrário. A peça está muito robusta, não tem qualquer viés político, como tenta desviar o governador Wilson Witzel. Foram encontrados inclusive e-mails que ele enviou com contratos do escritório da primeira-dama com pessoas citadas pelo colaborador [Edmar Santos]", apontou o procurador.

COTA DE 20%

Delator, Edmar Santos disse ao MPF que os recursos desviados da pasta iam para um caixa único e um montante de 20% era destinado ao governador fluminense. "Que os recursos auferidos ilicitamente iriam para um caixa único; Que tal caixa único seria distribuído da seguinte forma: 30% para o colaborador [Santos]; 20% para o governador Wilson Witzel", diz um trecho da delação premiada.

Ainda de acordo com o Santos, ao Pastor Everaldo (PSC-RJ), padrinho político de Witzel e preso nesta sexta-feira, era destinado 20% do que fosse arrecadado.

O colaborador afirmou à procuradoria que os responsáveis pela operação do esquema criminoso, ambos ligados a Everaldo, decidiram que as vantagens ilícitas a serem captadas na Saúde seriam cobradas em duas áreas: nas organizações sociais e nos "restos a pagar".

Essa escolha, segundo Santos, tinha o objetivo de despistar os ilícitos das autoridades porque seriam áreas na estrutura da Saúde menos visadas.

Santos afirmou que aos operadores, segundo ele Edson Torres e Victor Hugo Barroso, era reservada a cada uma cota de 15% do arrecadado.

Narrou ainda o delator ao MPF que Torres lhe teria confidenciado que o governador do Rio "recebia [propina] de todas as secretarias".

De acordo com a colaboração, "um dos 'argumentos' utilizados para que a propina fosse cobrada era o fato de que Edson e Victor tinham dado dinheiro para ajudar a eleger o governador Wilson Witzel" e a cobrança seria uma forma de ressarcir os valores que haviam sido empregados.

O delator afirmou à procuradoria que Victor Barroso fez um aporte de R$ 8 milhões para a campanha do governador e que, em razão disso, foi concedido a ele "posição privilegiada" para arrecadar valores em contratos firmados pela administração estadual.

 

ISHIBASHI/ESTADÃO CONTEÚDO
PRISÃO Presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo foi preso na operação - FOTO:ISHIBASHI/ESTADÃO CONTEÚDO

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