Com apoio comunitário, Pernambuco investe em tecnologia para prevenir desastres em 20 territórios
Projeto nasce de metodologias desenvolvidas pela Rede GERA, com soluções elaboradas por moradores dos territórios e foi idealizado após chuvas de 2022
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Vinte favelas e comunidades urbanas de Pernambuco vão receber um conjunto de ações para mitigação das mudanças climáticas. O Governo do Estado anunciou a instalação de sensores meteorológicos comunitários, o desenvolvimento de uma plataforma digital colaborativa e o uso de drones para mapear áreas com risco de deslizamento.
O sistema permitirá monitorar, em tempo real, fatores como chuva, vento, temperatura e umidade. A plataforma vai integrar dados da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), de estações meteorológicas e dos próprios territórios.
O objetivo é emitir alertas acessíveis e direcionados para cada comunidade, de acordo com o nível de urgência e vulnerabilidade local.
O anúncio foi feito durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém. Ao todo, serão investidos R$ 2 milhões em um ano em uma parceria com a Universidade de Pernambuco (UPE), com participação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Rede GERA, Justiça Climática nas Periferias. A implementação deve ser concluída até dezembro de 2026.
Confira a lista das comunidades:
- Ponte dos Carvalhos, Cabo de Santo Agostinho
- Bairro dos Estados, Camaragibe
- Areeiro, Camaragibe
- Jardim Monte Verde, Jaboatão dos Guararapes
- Vila dos Palmares, Jaboatão dos Guararapes
- Alto Doutor Júlio Lira, Jaboatão dos Guararapes
- Condor/ Xuxa, Olinda
- Giriquiti, Olinda
- Cabo Gato, Olinda
- Jardim Fragoso, Olinda
- Córrego do Abacaxi, Olinda
- Comunidade Rua do Cupim, Paulista
- Sapo Nu, Recife
- Detran, Recife
- Maria Teresa, Recife
- Córrego da Bica, Recife
- Sítio dos Pintos, Recife
- Caranguejo Tabaiares, Recife
- Sítio dos Macacos, Recife
- Córrego do Jenipapo, Recife
Tecnologia construída com as comunidades
O projeto nasce de metodologias desenvolvidas pela Rede GERA, com soluções elaboradas por moradores dos próprios territórios. Ele foi idealizado após as fortes chuvas de 2022, que deixaram 134 mortos e mais de 125 mil desabrigados ou desalojados no Estado.
“A gente começou a entender que não tinha como fazer a proteção das pessoas se essas pessoas não entendessem o que estava acontecendo. A gente começa o mapeamento comunitário do território e esse mapeamento comunitário gera um plano de contingência, gerenciamento de risco e adaptação para essa comunidade”, explica Joice Paixão, coordenadora territorial de engajamento da Rede GERA.
O plano de contingência reúne informações como rotas de fuga em casos de emergências, indicando as opções mais viáveis para cada família, itens básicos para situações de evacuação e abrigos próximos.
Para o secretário executivo de Periferias da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Pedro Ribeiro, o investimento é uma “política de fortalecimento comunitário, para que se um dia o Estado sair desse território, o território esteja fortalecido o suficiente para sobreviver a essa realidade”.
“Não dá para pensar justiça climática sem justiça social e a gente quer levar essas políticas de estado também para os territórios”, pontua.
O secretário acrescenta, ainda, que “a ideia é que a gente tenha uma coordenação colegiada que a gente vai se encontrar uma vez no mês, envolvendo Apac, Defesa Civil, Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha (Semas), para que todo mundo possa estar integrado neste projeto, entendendo que é uma responsabilidade compartilhada e o saber que vai ser produzido vai servir a todas as secretarias para que elas possam atuar de forma mais assertiva”.
De acordo com o Panorama Climático das Favelas e Comunidades Invisibilizadas, realizado pela ONG TETO Brasil, no Nordeste 6% dos territórios afirmam ter recebido suporte do governo ou Defesa Civil após desastres. Dos entrevistados, 22% afirmaram que o apoio veio em ONGs, enquanto 20% das comunidades disseram que lidaram sozinhas.
Como funciona o plano de contingência
O plano de contingência funciona por etapas em comunidades como a Vila Arraes, na Zona Oeste do Recife.
Quando o primeiro alerta é emitido, brigadas comunitárias são acionadas e permanecem de prontidão. Grupos de logística também são mobilizados para apoiar eventuais necessidades, como remoção de móveis das casas ou organização de doações.
“A gente tem uma rede de comunicação na comunidade, com a comunicação feita de maneira digital com áudios no WhatsApp ou vídeos, inclusive mostrando com a imagem de satélite, e a gente tem a comunicação analógica que são comunicadoras populares, pessoas que conhecem todo mundo, já que nem todos têm acesso ao celular e à internet”, comenta Joice Paixão.
A eficiência do WhatsApp como rede de comunicação comunitária em situações de emergência é reiterada pelo levantamento da TETO Brasil. Em um cenário nacional, 72% dos territórios usam o aplicativo como a principal forma de alerta em cenários de crise.
À medida que o alerta aumenta, o plano muda. Caso necessário, as famílias em situação de maior vulnerabilidade podem ser encaminhadas às “famílias guardiões” ou a abrigos solidários para serem direcionadas às Defesas Civis do município ou do estado.
Formação e letramento climático
Ao longo de um ano de trabalho, a Rede construiu um relatório a partir de escuta ativa nas comunidades e cocriação junto a organizações da sociedade civil, universidades, iniciativas privadas e o poder público.
Do trabalho, surgiram iniciativas como o letramento climático, que envolve o monitoramento, a comunicação e a educação para o clima junto às famílias de cada território.
A formação ensina, por exemplo, a leitura de imagens de satélite, a correlação entre a previsão de chuva com a tábua de marés e o risco de transbordamento hidrológico. Os agentes territoriais têm a responsabilidade de observar a situação meteorológica de cada periferia.
“É uma gama de tecnologias que convergem para que as periferias consigam fazer o seu gerenciamento de risco. A gente conseguiu pegar uma tecnologia desenvolvida no território e levar para ganhar escalabilidade, se tornando política pública”, comenta Joice.