Atentos às chuvas há três anos, tragédia tirou de Monte Verde o direito de dormir tranquilo
Em Jardim Monte Verde, comunidade em zona limítrofe entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, famílias perderam entes e adoeceram mentalmente

O dia 28 de maio foi marcado na história de Pernambuco. Mais ainda, na vida de Jaqueline Alves, agente de saúde aposentada, de 44 anos. Ela, assim como outras famílias de Jardim Monte Verde, comunidade em uma zona limítrofe entre o extremo sul do Recife e Jaboatão dos Guararapes, assistiu às casas e bens dos seus vizinhos sendo levados pelas fortes chuvas de 2022.
Mais do que isso, viu a vida sendo arrastada pela falha das políticas públicas em garantir dignidade na moradia dos cidadãos. Perdeu cinco familiares na tragédia que atingiu o estado e vitimou, ao todo, 48 pessoas, desalojando milhares.
Marcelo André da Silva, Mikael André da Silva, Miguel André da Silva e Rosana Silva de Oliveira, grávida de 3 meses de uma menina, foram soterrados e deixaram na vida de Jaqueline uma marca que poderia ter sido evitada com planejamento urbano.
Três anos depois do desastre que escancarou a falta de prevenção e mitigação de danos no estado, a aposentada ainda luta pela dignidade da vida e, ainda, pelo direito de não morrer pelas fortes chuvas.
A comunidade reivindica a urbanização das áreas afetadas pelas últimas enchentes, a realização de obras de saneamento básico e a execução de intervenções em encostas e no canal que corta Jardim Monte Verde. Esperam por estrutura que diminua as vulnerabilidades enfrentadas na região.
O dia 28
No dia das fortes chuvas de 2022, Jaqueline Alves conta que estava em casa quando recebeu o recado dos parentes.
“O dia 28 foi um dia atípico, com muita chuva. A gente foi dormir e por volta das 5 horas, eu acordei com minha tia gritando na rua: ‘A casa caiu, Marcelo e a família tá todo mundo soterrado’. A gente pulou da cama e veio ajudar”, lembra.
Quem também acordou na madrugada foi Corina Maria Silva de Lima, dona de casa, de 64 anos. Antes das quatro da manhã, Dona Corina conta que ouviu barreiras próximas a sua casa deslizando e, um pouco depois, foi comunicada que o mesmo aconteceu na casa de Jefferson Mendes de Lima, seu filho de 38 anos.
“A tragédia já tinha acontecido, já estava tudo no chão e ele embaixo”, conta. A família e a comunidade se uniram aos trabalhos da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, em meio ao barro e risco de novos deslizamentos, para resgatar Jefferson. As buscas duraram 5 dias.
“Foram 5 dias de tortura que eu não desejo para ninguém. O motivo do ato de hoje é para que não caia no esquecimento, para que outras pessoas não passem por tudo que eu estou passando e muitas outras pessoas de Monte Verde”, lamenta.
Apesar do sofrimento, Corina Maria destaca que tem esperanças de que as novas obras na região melhore a segurança habitacional da população. “Espero que o serviço seja continuo e outras barreiras não venham a fazer novas vítimas”, pontua.
Falta de ação imediata e adoecimento mental
Depois do 28 de maio, Jaqueline precisou deixar sua casa, perto do morro, e passar dois meses em um abrigo com o esposo e os filhos. Ao voltar, recebeu a informação de que seu lar estava em risco grau 3 da Defesa Civil e a orientação de que, em caso de chuvas, deveria deixar a moradia e buscar um local seguro.
A chuva que na infância remetia a brincadeiras, hoje é motivo de pânico. "Desde a tragédia, eu não durmo mais quando começa a chover. A gente quer o direito de poder dormir tranquilo e esse direito está sendo tirado".
Desde a tragédia, eu não durmo mais quando começa a chover. A gente quer o direito de poder dormir tranquilo e esse direito está sendo tiradoJaqueline Alves, agente de saúde aposentada
De Jaqueline, foi tirado o convívio com os familiares e a segurança do morar. Das suas duas irmãs, a saúde mental. A agente aposentada conta que suas irmãs estão afastadas do trabalho por depressão desde a tragédia, que ainda interditou duas casas, com grau 4 de risco de desabamento.
“O psicológico dela só vem piorando porque ela disse que quer voltar para a casa dela e já faz três anos”, diz.
Precisando pagar aluguel, uma das irmãs está recebendo auxílio-moradia da Prefeitura do Recife, no valor de R$ 300. De acordo com Jaqueline, a média de aluguéis na comunidade é a partir dos R$ 400.
“Eu acho que precisa melhorar muita coisa, com a participação da comunidade. O Governo do Estado poderia abrir o ProMorar para a área de Recife porque até agora foram feitos 200 cadastros só para Jaboatão. Monte Verde é uma comunidade que tem que ser tratada de forma igual para dar um pouquinho de dignidade. A gente merece respeito”, pede.
Cerca de 30 famílias relembraram, nesta quarta-feira (28), em ato nas ruas que foram tomadas pelas enxurradas, os três anos da tragédia de 2022. Destacaram a importância de homenagear as 48 vítimas e, principalmente, evitar novos desastres.
Desde a tragédia, eu não durmo mais quando começa a chover. A gente quer o direito de poder dormir tranquilo e esse direito está sendo tirado
Jaqueline Alves, agente de saúde aposentada