Cada cidade age por conta própria, ignorando fazer parte de um conjunto maior", diz especialista sobre a RMR
Em entrevista ao Giro Metropolitano, Paulo Roberto Barros e Silva defende que o desenvolvimento metropolitano só vai acontecer com união política

A Região Metropolitana do Recife (RMR) precisa se reconstruir e se refazer. Problemas antigos se juntam a novos desafios comuns aos 14 municípios do território. O cidadão metropolitano, que todos os dias cruza as fronteiras de várias cidades para trabalhar, estudar, frequentar a igreja e usar a rede de saúde, conhece as dificuldades da falta de integração urbana.
No segundo episódio do videocast Giro Metropolitano, exibido aos sábados, às 10h, na Rádio Jornal e nas plataformas digitais do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, entrevistou o consultor, arquiteto e ex-presidente do Condepe/Fidem, Paulo Roberto Barros e Silva.
Um dos maiores especialistas em planejamento urbano de Pernambuco, ele alerta que a primeira condição para o desenvolvimento metropolitano é a articulação política. Sem a união política entre a governadora e os prefeitos da RMR, sentados em uma mesa redonda com diálogo aberto a todos, as ações não acontecem.
O especialista resume que a principal palavra nessa discussão é compartilhar. Compartilhar e enfrentar os problemas. Na entrevista ele faz essa pontuação política e olha para a RMR e a cidade metrópole como um espaço que precisa ser melhorado para o cidadão.
RETOMADA DO CONDERM
A retomada do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana (Conderm) é essencial para que possamos finalmente ter uma governança metropolitana eficiente. A reunião marcada pela governadora Raquel Lyra para o dia 11 de março é um passo fundamental, mas esse compromisso precisa ir além de um encontro. Durante anos, vimos a Região Metropolitana do Recife (RMR) crescer sem planejamento integrado, o que gerou problemas graves, como mobilidade precária e ocupação desordenada.
A realidade é que não há como resolver essas questões sem uma articulação entre o Estado e os prefeitos. Infelizmente, essa união não tem acontecido de forma concreta, e os avanços acabam ficando no discurso. Se quisermos mudar esse cenário, precisamos tratar a governança metropolitana como prioridade.
ESTATUTO DA METRÓPOLE
O Estatuto da Metrópole, aprovado em 2015, deveria ser a base para organizar as regiões metropolitanas do Brasil, mas, na prática, nunca foi implementado como deveria. Esse estatuto levou dez anos para ser aprovado no Congresso Nacional e foi um marco importante para regulamentar o funcionamento dessas áreas urbanas. A lei estabelece que as cidades conurbadas precisam atuar de maneira integrada, mas a verdade é que essa integração ainda não aconteceu.
ENTRAVE POLÍTICO
O grande entrave não é técnico, nem jurídico, mas político. O problema é que os prefeitos não querem abrir mão da autonomia sobre seus municípios e o Estado também reluta em dividir o poder de decisão. Sem um mecanismo de governança bem estruturado, cada cidade age por conta própria, ignorando que faz parte de um conjunto maior. Isso impede qualquer avanço real nas políticas metropolitanas. O modelo atual precisa ser revisto para garantir que todos os gestores tenham voz e responsabilidade compartilhada.
MOBILIDADE URBANA: PROBLEMA Nº 1
Se há um problema que escancara a falta de governança metropolitana, esse problema é a mobilidade urbana. Hoje, quem mora no Recife e quem mora em municípios mais afastados, como Igarassu ou Ipojuca, sente na pele a dificuldade de se deslocar.
O transporte público deveria ser planejado de forma integrada, mas apenas Recife e o governo estadual têm controle sobre o sistema. Os demais municípios, embora tenham milhares de moradores que dependem desse transporte intermunicipal, não participam das decisões.
Isso não é novidade. Lá em 1951, o professor Antônio Baltar já apontava a necessidade de um planejamento metropolitano para o Recife. O problema é que décadas se passaram e nunca colocamos esse planejamento em prática.
O resultado disso é um sistema de transporte fragmentado, com infraestrutura precária e deslocamentos longos e ineficientes. Enquanto cada município continuar tratando a mobilidade como um problema individual, sem pensar no impacto regional, a população vai seguir enfrentando dificuldades.
GOVERNANÇA METROPOLITANA
O que impede o Conderm de funcionar de verdade não é falta de lei ou de estrutura, mas a falta de vontade política. Os conselhos metropolitanos sempre foram espaços de faz de conta, onde as reuniões acontecem, mas não têm impacto prático. Os prefeitos não querem participar porque sabem que, no modelo atual, suas decisões terão pouco peso. Já os governadores, historicamente, tratam a governança metropolitana como algo secundário.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) é um exemplo claro desse problema. Ele foi elaborado com um longo processo de audiências públicas e debates, mas nunca foi colocado em prática porque os prefeitos simplesmente ignoraram o documento. Há mais de três anos o plano está pronto, mas sem validação política ele se tornou apenas mais um papel engavetado.
Além disso, o modelo atual de votação do Conderm é desequilibrado, pois dá 65% dos votos ao governo estadual e à prefeitura do Recife, o que desestimula os demais prefeitos a participarem. Eles sabem que, no fim das contas, suas decisões terão pouco impacto no resultado final."
PACTO ENTRE ESTADO E MUNICÍPIOS
Se queremos que a governança metropolitana funcione de fato, precisamos de um novo modelo de gestão, onde as responsabilidades sejam realmente compartilhadas. Hoje, os planos diretores de cada cidade da RMR ignoram a existência da metrópole e focam apenas no território municipal. Isso compromete o desenvolvimento da região como um todo.
Uma solução viável seria reformular o Conderm de forma que todos os 14 prefeitos tenham participação efetiva. É possível criar um modelo mais equilibrado, onde o peso da participação leve em conta fatores como população, arrecadação e contribuição para a RMR, mas sem desrespeitar a autonomia dos municípios menores.
MESA REDONDA
A ideia da governadora de reunir todos os gestores em uma mesa redonda representa exatamente o que precisamos: um espaço de diálogo onde todos tenham voz. Mas para que isso aconteça, é preciso que o governo estadual realmente esteja disposto a dividir responsabilidades. Se continuarmos apenas no discurso, sem ações concretas, a governança metropolitana vai continuar sendo uma promessa vazia.
INTEGRAÇÃO NECESSÁRIA
O Estatuto da Metrópole nada mais é do que uma lei voltada para essa cidade que não é apenas Olinda, Recife ou Jaboatão. São 14 cidades que, juntas, formam um único espaço urbano. Basta atravessar a rua e você já mudou de município, mas, na prática, a cidade é uma só. Para o cidadão comum, o limite administrativo não existe. Ele vive nesse território, circula diariamente por ele, enfrenta deslocamentos longos, pegando ônibus por duas horas e meia para chegar ao trabalho.
Essa é a questão central. Como esse Conselho de Desenvolvimento pode atuar para garantir que essa metrópole funcione de maneira integrada? A base legal federal está posta, mas a base estadual precisa ser refeita. Depois da estruturação do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano, os planos diretores municipais precisam estar alinhados ao plano de desenvolvimento metropolitano. A lógica é essa: primeiro, organizar o planejamento metropolitano e, em seguida, ajustar os planos diretores dos municípios para se compatibilizarem a ele.
ATUALIZAR PLANOS DIRETORES
Hoje, no entanto, o que vemos é uma disputa entre planos diretores. Um município oferece mais vantagens aqui, outro puxa intervenções para ali, seja pública ou privada, e assim vai se fragmentando a gestão do território. Essa lógica de disputa só piora a cidade metropolitana. A governadora Raquel Lyra já colocou essa preocupação na mesa.
Na entrevista da semana passada (ao Giro), ela falou sobre a necessidade de atualizar os planos diretores e deu um exemplo claro: o Arco Metropolitano vai passar bem próximo de Moreno, mas o prefeito sequer estava considerando esse impacto. E isso muda tudo. Muda o fluxo de pessoas, de veículos, exige ajustes no planejamento urbano. Se não houver essa atualização, continuaremos lidando com crescimento desordenado e soluções improvisadas.
CIDADE METRÓPOLE
O desconhecimento dos municípios sobre a cidade metrópole é inacreditável. A metrópole não é apenas um conjunto de cidades grandes e ricas. No nosso caso, estamos falando de 14 cidades que compõem um único organismo urbano. Araçoiaba, por exemplo, apesar de estar na Região Metropolitana do Recife, não se consolidou como cidade metropolitana porque seu núcleo urbano ainda não se conectou fisicamente com os demais municípios. Mas o restante da RMR é uma continuidade territorial evidente.
Essa integração não pode ser ignorada. Quem não estiver disposto a integrar sua gestão naquilo que é essencial à metrópole está simplesmente atrasando o desenvolvimento da região. O que é comum a todos? Água, esgoto, lixo, mobilidade, educação e saúde. São serviços que não fazem sentido serem tratados de forma isolada.
Mas, ainda hoje, enfrentamos barreiras absurdas. Uma criança que mora em um município e tem vaga em uma escola do outro lado da rua não pode estudar lá porque pertence a outra cidade. Um cidadão que precisa de atendimento na UPA mais próxima pode ser recusado porque está em outro território municipal. Tudo isso ocorre porque cada gestor olha apenas para o seu pedaço, ignorando que a cidade metropolitana é uma só.
MOBILIDADE COMO TESTE
Se há um tema que deve estar no topo da pauta do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano, esse tema é a mobilidade. A retomada do Conderm só será levada a sério se, logo na primeira reunião, sair um plano concreto para organizar o metrô do Recife, os corredores de ônibus e o transporte intermunicipal.
Hoje, temos ônibus municipais que entram e saem das cidades como querem, sem uma lógica integrada. Temos os veículos leves sobre trilhos (VLTs) atravessados nas ruas, sem planejamento adequado. Enquanto a mobilidade continuar sendo tratada dessa forma fragmentada, a população vai seguir gastando duas horas e meia, três horas para ir e voltar do trabalho.
Esse é o verdadeiro teste do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano. Ou se trata da mobilidade de forma integrada, ou continuaremos com remendos. E, enquanto estivermos apenas remendando, quem sofre é o cidadão comum.
ARCO METROPOLITANO
O Arco Metropolitano, um projeto sonhado há mais de duas décadas, surge como uma solução fundamental para desafogar o trânsito, retirando os caminhões das vias urbanas. A proposta é que esses veículos circulem por fora da cidade, passando por Moreno, Itapissuma e chegando diretamente a Suape.
No entanto, enquanto essa infraestrutura não se concretiza, o fluxo diário de veículos segue prejudicado, especialmente em vias que possuem, no máximo, três faixas de rolamento. As avenidas perimetrais são essenciais para a fluidez da mobilidade, mas carecem de planejamento adequado. A BR-101, por exemplo, deveria ser integrada à Região Metropolitana como uma quarta perimetral, o que exigiria esforços políticos e estruturais para sua requalificação.
LIMITAÇÕES DO METRÔ
Enquanto não houver grandes investimentos em infraestrutura, como um metrô abrangente e eficiente, o ônibus continuará sendo a principal solução de mobilidade. No entanto, o sistema atual enfrenta desafios como itinerários mal planejados, terminais de integração superlotados e outros praticamente vazios.
Além disso, a fragmentação da gestão entre municípios e estado dificulta a implementação de um plano metropolitano eficaz. É necessário um redesenho profundo da malha viária e dos trajetos dos ônibus para reduzir desperdícios e otimizar o atendimento à população.
O metrô, por sua vez, tem limitações estruturais severas. Construído sobre antigas linhas férreas, ele não atende plenamente à demanda da cidade e necessita de expansão para regiões estratégicas, como o eixo da PE-15. Alternativas como o VLT possuem restrições técnicas devido ao traçado urbano do Recife, com ruas estreitas e curvas fechadas. Assim, enquanto não houver mudanças estruturais de grande porte, o ônibus continuará sendo a espinha dorsal da mobilidade urbana e precisa ser tratado com prioridade.
RECURSOS E DESAFIOS
O recurso precisa ser aplicado no que é prioritário. E o que é prioritário? Prioridade é cuidar de quem mais precisa. Prioridade é cuidar da fase de estudo da criança para adolescência para evitar que ele se perca no meio do caminho. Prioridade é isso. Quando eu vejo obras urbanas, em todos os municípios, seja aqui, em Capina ou em Garanhuns, com embelezamento urbano e a miséria junto, é difícil de ver.
POSIÇÃO DO RECIFE
Se o Recife não sentar na mesa redonda, não tem conselho metropolitano. O Recife é é o centro de tudo. É onde gera emprego, é onde gera renda, é onde as pessoas vêem, trabalham e voltam para suas casas. A periferia é dormitório. O Recife é vivo. O Recife gera emprego e é onde tem renda. Se o Recife não senta na mesa, o Conderm não opera, porque não tem o centro participando do processo. E os prefeitos sabem disso. E o prefeito do Recife sabe disso. E o governador sabe disso.
Por isso, que o problema metropolitano passa pela componente não é a legal que está aí, não é a da vontade de fazer de alguns. É o compromisso compartilhado das 14 pessoas que sentem na mesa com o governador e digam: vamos enfrentar o problema. Não é o seu partido. É o problema do cidadão. É o problema da cidade metrópole. Ela só funciona se tiver a participação do conjunto.