Pernambuco registra pelo menos 30 enchentes na história. Por que elas se intensificaram?
Em 24 horas, chuvas deixaram sete mortos: cinco no Recife, um em Paulista e um em Camaragibe. Ao longo da história, Estado enfrentou várias cheias

As enchentes fazem parte da história de Pernambuco. O primeiro registro oficial é de 1936, quando o Rio Capibaribe transbordou pela primeira vez, em função das chuvas. No período holandês, em 1638, outra cheia varreu a cidade. Na época, Maurício de Nassau mandou construir o chamado Dique de Afogados, que ficou conhecido como a primeira tentativa de erguer uma barragem para conter as águas. Se essas datas nos levam para um passado distante, o que acontece nos últimos anos não é diferente. O intervalo entre uma enxurrada e outra vem diminuindo e a intensidade aumentando.
O panorama não é animador nem para Pernambuco nem para o Recife. Estudo divulgado pelo Governo Federal em 2024 aponta que Pernambuco é o terceiro estado do País com mais pessoas vulneráveis ao risco de alagamentos e deslizamento de terras. Outro levantamento preocupante é o que coloca Recife como a cidade brasileira mais vulnerável às mudanças climáticas, além de aparecer em 16º lugar no ranking mundial.
E o que tudo isso tem a ver com o histórico das chuvas? Tudo! Porque a população está sob constante risco e é preciso ter uma consertação do poder público, sociedade civil e estudiosos para encontrar soluções. Se isso não acontecer, teremos outros Juans, Andrés, Myriams, Valdomiros, Marias da Conceição e Nikolles, perdendo suas vidas, como aconteceu nessas chuvas que caíram nos últimos dias.
Nós podemos até não entender academicamente sobre mudanças climáticas, mas sentimos, na prática, todos dos dias, o que acontece nas nossas cidades. No Sertão e Agreste, por exemplo, as pessoas sentem mais fortemente as ondas de calor. No ano passado, a cidade de Triunfo chegou a ter 94 dias com temperaturas extremas, acima de 38ºC.
Na Região Metropolitana do Recife (RMR), fevereiro nem é caracterizado como um mês de chuvas fortes, como aconteceram nos últimos dias e deixaram sete vítimas. O nível do mar e dos rios vem subindo acima do esperado e trazendo prejuízos. A temperatura no Estado como um todo também tem ficado acima da média.
Não bastasse tudo isso, Recife e outros municípios da RMR têm fatores geográficos (o grande número de habitações em áreas de morros e alagados), econômicos (desemprego e alto nível de informalidade) e sociais (metade da população vive na pobreza e extrema pobreza), que agravam a situação de vulnerabilidade da população diante das mudanças climáticas.
Veja as principais enchentes que trouxeram prejuízos e mortes nos últimos anos:
1966
Enchente de grande proporção, que atingiu o Recife e a Zona da Mata. O aumento dos níveis dos rios Capibaribe e do Beberibe saíram levando 10 mil casas e mocambos. A Avenida Caxangá ficou parecendo um rio. Foram contabilizadas 175 vítimas.
1970
O ano de 1970 foi marcado por duas enxurradas em Pernambuco, mas desse vez as chuvas se concentraram na Zona da Mata e Agreste do Estado. As águas inundaram 28 cidades, com o transbordamento dos rios Una, Ipojuca e Formoso. O número de mortes foi grande: 150.
1975
A enchente de 1975 é a mais conhecida da histórias das cheias em Pernambuco, graças ao boato de que a barragem de Tapacurá ia estourar. Do ponto de vista da população, foi um evento climático que trouxe muitos prejuízos. Durante 2 dias, Recife ficou isolado do restante do País por terra. Foi a maior cheia da história da bacia do Rio Capibaribe e aconteceu entre os dias 17 e 18 de julho. Pelo menos 80% da cidade do Recife ficou debaixo d'água e outros 25 municípios da RMR também foram atingidos. Morreram 107 pessoas e 350 mil ficaram desabrigadas.
Na capital e interior, 1.000 km de ferrovias foram destruídos, pontes desabaram, casas foram arrastadas pelas águas. Só no Recife, 31 bairros, 370 ruas e praças ficaram submersos; 40% dos postos de gasolina da cidade foram inundados; o sistema de energia elétrica foi cortado em 70% da área do município; quase todos os hospitais recifenses ficaram inundados.
1977
Em 1º de Maio de 1977, uma nova enchente do Rio Capibaribe deixou 16 bairros do Recife embaixo d'água. Olinda e outras 15 cidades do interior do Estado também foram atingidas. Mais de 15 mil pessoas ficaram desabrigadas e só não foram registradas mortes porque a população das áreas ribeirinhas foi retirada 24 horas antes, alertadas pela Defesa Civil do Estado.
2000
Após uma trégua de enchentes fortes, em 2000 a RMR e a Zona da Mata voltaram a registrar fortes chuvas. A Mata Sul ficou bastante marcada pela cheia deste ano. No total, 22 pessoas morreram e 100 ficaram feridas e outras 60 mil desabrigadas.
2004
Assim que o ano de 2004 começou, outra enchente castigou a capital e a zona da Mata, deixando um saldo de 36 mortos e 20 mil desabrigados.
2010
Foi uma das enchentes mais dramáticas para Pernambuco. Diante do estrago nas cidades, o então presidente Lula veio ao Estado e visitou algumas cidades junto com o governador Eduardo Campos. Os municípios de Palmares e Bezerros estavam entre os mais afetados. No dia 18 de junho daquele ano, choveu em um dia o que era esperado para três semanas na Mata Sul. Em todo o estado, 20 pessoas morreram e 82 mil saíram de casa. No total, 67 municípios foram afetados. O rio Una transbordou e subiu quatro metros. Foi nessa época que os governos estadual e federal se comprometeram a construir 5 barragens de contenção das águas, mas só Serro Azul ficou pronta.
2017
Nos anos seguintes, apenas em 2017 voltou a ter outro evento climático relacionado às chuvas com tanto volume. Para se ter uma ideia, os índices pluviométricos ultrapassaram os 500 mm em algumas localidades nesse período.
2022
A enchente de 2022 foi considerada o maior desastre natural de Pernambuco desde a enxurrada de 1975. O dia 28 de maio ficou guardado na cabeça das pessoas como uma lembrança triste. Como esquecer a equipe do Corpo de Bombeiros gritando por vítimas dos deslizamentos de barreiras, no meio de montanhas de barro e escombros, em Jardim Monte Verde, em Jaboatão dos Guararapes? A tragédia deixou 133 mortos, prejuízos, muita dor das família e a certeza que o poder público estadual precisava agir para que um desastre como aquele nunca mais se repetisse.
2025
O ano começou com mais uma enchente. Chama atenção as sete mortes em apenas dois dias de chuvas fortes. Mais uma vez, é preciso questionar a necessidade de adotar medidas preventivas e de assumir responsabilidades. O problema do deslizamento de barreiras nos morros não está resolvido, como parece mostrar as redes sociais dos gestores públicos. Assim como também é preciso fiscalizar e definir de quem é a responsabilidade pelos problemas.
Das sete vítimas, quatro morreram eletrocutadas. Em um dos casos, a Neoenergia informou que a responsabilidade seria do dono da casa abandonada, que estava vazando corrente. Em outro, a certidão confirma o óbito por desgarga elétrica, mas a Neoenergia diz que o local não estava vazando corrente. Quem se responsabiliza?
Enchente De 1975 Em Pernambuco | Arquivos Escondidos Do IML