MPF se posiciona contra recurso do Complexo de Suape de reintegração de posse em quilombo
Justiça Federal pontua que até a finalização do processo de titulação das áreas pertencentes aos quilombolas não é possível determinar a reintegração

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer contra o recurso do Complexo Industrial Portuário de Suape que solicita a reintegração de posse de área do Quilombo Ilha de Mercês, no município de Ipojuca, litoral Sul do estado.
De acordo com o parecer do MPF, é preciso a conclusão do processo de demarcação do território pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) antes de qualquer discussão jurídica sobre a área.
O documento foi assinado pelo procurador regional da República José Cardoso Lopes e encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5).
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Na Justiça Estadual, Suape ajuizou uma ação alegando que técnicos da empresa haviam verificado que havia uma moradora ocupando irregularmente uma área dentro do Complexo. Mas as investigações apontam que ela reside na área quilombola há mais de 20 anos, conforme declaração expedida pela Associação Quilombola Ilha de Mercês.
O caso está sendo conduzido pelo Incra, que tem o objetivo de promover a titulação e demarcação das áreas que compõem a comunidade quilombola.
Com a análise em andamento, a Justiça Federal pontua que até a finalização do processo de titulação das áreas pertencentes aos quilombolas não é possível determinar a reintegração solicitada pela administração de Suape.
Projeto para realocação
Em outubro de 2024, o Governo de Pernambuco anunciou uma parceria entre Suape e a Universidade de Pernambuco (UPE) para a realocação e preservação cultural do Quilombo Ilha de Mercês.
O texto publicado em Diário Oficial destaca que a cooperação têm o objetivo principal de “permitir que a realocação seja realizada de maneira respeitosa, inclusiva, sustentável, promovendo o bem-estar e a continuidade cultural do quilombo”.
Porém, a região é marcada por tensões que se arrastam por décadas. Desde a chegada de Suape ao território, conflitos foram registrados entre os quilombolas e o empreendimento.
Em entrevista ao JC, o mestre em Antropologia Luís Paulo Santana questionou, a respeito do projeto anunciado pelo Governo do Estado: “Como ficam as pessoas que não querem sair? Para onde vai o grupo reassentado? O complexo vai garantir terras férteis? O que vai acontecer com o território?”.
Já o diretor de Sustentabilidade de Suape, Carlos Cavalcanti, afirmou que o objetivo é que o projeto seja uma referência em processos de realocação.
“A comunidade está localizada dentro da poligonal do Porto de Suape e o risco associado é alto. Para ter um processo harmônico, nós contratamos o IAUPE para que os professores especialistas nos assuntos de advocacia, levantamento fundiário e atividades tradicionais e agricultura deem o suporte necessário para que a gente construa o melhor projeto, assim como os melhores cenários para que as comunidades possam levar consigo o seus modos de vida tradicional”, pontuou.
Luta pelo território
Conhecido como Seu Martins, José Reis da Silva, de 52 anos, vive na Ilha de Mercês desde que nasceu. Ele relata que, com as mudanças provocadas pela instalação dos empreendimentos, a escassez nos manguezais e as dificuldades na agricultura passaram a fazer parte da vida dos quilombolas.
“A gente tinha de tudo, camarão, aratu, caranguejo, sururu, e hoje a gente não tem. Eu sinto miséria, desgraça, fome, falta de fruta e falta dos meus parentes que tiveram que sair, expulsos. Todas as comunidades que eles realocaram só têm fome, miséria e desgraça e, antes deles chegarem, nada disso existia”, lamenta.
A pesca artesanal nos manguezais e a agricultura de subsistência são algumas das atividades praticadas na comunidade.
Seu Martins conta, ainda, que foi consultado por um grupo do complexo, acerca do reassentamento, e não aceitou o acordo.
“O que eu quero é minha paz e minha identidade. Vou lutar até meu último suspiro pelo meu território e pela minha família”.