DIREITOS HUMANOS

O rosto e a história de quem vive em condições sub-humanas no Recife, metrópole onde os pobres são os mais pobres do Brasil

Conheça a vida de quem está nos números expostos no Boletim Desigualdade das Metrópoles, divulgado nessa quinta-feira (7)

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Katarina Moraes

Publicado em 08/04/2022 às 15:20 | Atualizado em 30/06/2022 às 9:03
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Indignação, mas não surpresa. Essa foi a reação da população ao saber que o Recife é a capital do País com a renda mais baixa entre os 40% mais pobres, com renda média de R$ 104. Só que é preciso ir além dos números expostos no Boletim Desigualdade das Metrópoles nessa quinta-feira (7) e saber que eles têm vida, rostos e histórias.

Por trás dos dados, que representam reflexos das crises econômicas e sanitárias que o País vem vivendo, há corpos que apenas se concentram em continuar existindo, por faltar o mínimo para a sobrevivência humana. Não é difícil chegar até eles: estão em todas as zonas da capital pernambucana, debaixo dos viadutos, nas palafitas e nas esquinas.

Luiz Carlos Nascimento, de 51 anos. Está na posição em que nunca pensou que chegaria. Até 2021, era servente terceirizado de uma prefeitura da Região Metropolitana e recebia um salário mínimo. Tinha uma vida simples, longe do ideal, mas minimamente digna - até ser demitido no último ano junto aos colegas de trabalho.

“Trabalhávamos carregando pedra, em obra, um serviço pesado, e cobramos que a empresa nos desse almoço, porque uns 10 de nós não tinham o que comer em casa. A gente não aguentava trabalhar com fome, e cruzou os braços. No outro dia, nos mandaram embora”, conta.

Com o aluguel de R$ 200 atrasado, hoje deixa a casa onde vive com a ex-esposa e os dois filhos, de 5 e 16 anos, todos os dias em busca de doações nas ruas, onde passa a maior parte de seu tempo. A maior dor é não poder mais comprar o que as crianças gostam de comer. À reportagem, exibiu com alegria uma caixa de leite e um pacote biscoito de chocolate que ganhou de doação nesta manhã. “É para meu filho. Ele adora.”

Márcio da Silva, 47. Está há um ano nas ruas, após ter se separado da ex-esposa e não ter conseguido um teto para si. Se inscreveu recentemente no Auxílio Brasil, que deu lugar ao Bolsa Família, e espera que com o dinheiro que receber possa alugar um “cantinho” para dormir - sua maior saudade. Pelo perigo das ruas, teme não estar vivo no dia seguinte. “Tem muita gente ruim, violenta. A polícia vem olhar aqui e não encontra nada, porque somos de bem”, fala.

Não passa fome - a solidariedade de grupos de ajuda que chegam até a Praça da Independência, onde está de domingo a domingo, não deixa. Mas o que queria mesmo era conseguir um emprego que pudesse fazê-lo parar de depender das doações.

Sem provocação alguma da reportagem, olha os edifícios ao redor e diz sonhar morar em um. “Muito prédio abandonado e a gente precisando de uma casa”. Por enquanto, o seu pedaço de mundo é concentrado em uma barraca suja, coberta por uma lona preta que barra a chuva constante das últimas semanas.

Fabiana Teresa Nascimento, de 39 anos. Tomava banho com roupas e o auxílio de um balde quando a reportagem a encontrou. Conhece bem a realidade das ruas, já que cresceu na Rua do Imperador, no Bairro de Santo Antônio, com os 12 irmãos. Ganhou a liberdade no ano passado e passou a viver na casa da sobrinha, mas há dois meses teve o auxílio aluguel cortado e voltou a ser sem-teto.

Agora, sobrevive unicamente com R$ 400 enviados pelo Auxílio Brasil. “Estar aqui é só a misericórdia. Agradeço minha vida e por ter saúde, e também tenho esperança que venha algo bom pela frente. Está difícil até encontrar serviço”, afirma.

Vítima de violência doméstica, teve os bens danificados pelo ex-companheiro horas antes da chegada do JC, e agora dormirá em uma tábua dura e desconfortável sabe-se lá por quanto tempo. É vaidosa “até demais”, segundo disse, e não abre mão do espelho e batom dentro de sua tenda. Mora junto com o cachorrinho, o qual cuida como um filho. “Graças a Deus não tive um. Imagine viver com eles nesse lugar?”.

Renda dos brasileiros

Boletim Desigualdade das Metrópoles mostrou que a renda média per capita do trabalho dos 40% mais pobres do Brasil, que estava em R$ 195 no quarto trimestre de 2020, subiu para R$ 239 no quarto trimestre de 2021. Ao mesmo tempo em que a renda dos 10% mais ricos caiu de R$ 6.917 em 2020 para R$ 6.424 em 2021 na média das metrópoles do País.

O boletim mostra que na região metropolitana da capital pernambucana, os 40% mais pobres possuem o pior rendimento do País na comparação com as demais metrópoles. A renda média do grupo passou de R$ 155 no quarto trimestre de 2019 para R$ 91 no mesmo período de 2020, chegando aos R$ 104 no quarto trimestre de 2021. A renda dos 10% mais ricos ficou em R$ 4.155 no último trimestre do ano passado, enquanto os 50% intermediários apresentaram no mesmo período renda média de R$ 764.

O doutor em Economia e professor da Faculdade Nova Roma, Antonio Carvalho, explicou que isso acontece pela cidade, "assim como as demais capitais do Nordeste", ter economia baseada em serviços - os primeiros afetados pela pandemia e os últimos a retomarem. "Cidades com essas características têm realmente maior dificuldade de recuperação econômica”, justifica o doutor em Economia e professor da Faculdade Nova Roma, Antonio Carvalho.

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