Para lembrar os danos do óleo

ESTUDO Departamento de Oceanografia da UFPE tem um dos seis projetos que vão analisar, por mais três anos, efeitos do derramamento

Amanda Rainheri
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Amanda Rainheri
Publicado em 06/11/2020 às 2:00
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
PREJUÍZOS Maria de Cássia vive da cata do marisco em Suape, no Cabo, e faz artesanato. Ela afirma que até agora vendas não melhoraram - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Há um ano, o País assistia à pior tragédia ambiental do litoral brasileiro. Ao todo, 5 mil toneladas de óleo mancharam de preto algumas das paisagens mais bonitas e ricas em biodiversidade do Brasil. A região mais afetada pelo material tóxico foi o Nordeste, onde os nove Estados registraram a chegada das manchas. Somente em Pernambuco, foi retirada das praias 1,5 tonelada da substância, entre os meses de outubro e novembro. Agora um estudo capitaneado pelo Departamento de Oceanografia Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que deverá se estender pelos próximos três anos, irá analisar os efeitos crônicos do derramamento do óleo.

O projeto de pesquisa foi aprovado na chamada 6/2020 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), que contempla Pesquisa e Desenvolvimento para Enfrentamento de Derramamento de Óleo na Costa Brasileira - Programa Ciência no Mar. Ao todo, 141 propostas foram submetidas e apenas seis aprovadas para financiamento, entre elas a pernambucana.

O novo levantamento é uma continuidade dos estudos que já vêm sendo feitos desde a chegada de óleo por pesquisadores do departamento. "Quando o óleo chegou, iniciamos os estudos para entender os efeitos agudos daquela poluição. Agora, vamos poder aprofundar e analisar os efeitos crônicos, que não são visíveis aos olhos", explicou o Gilvan Yogui, coordenador dos trabalhos nos próximos anos.

Segundo ele, até agora já foram feitos achados importantes. "Já foi observada, por exemplo, a toxidade da areia das praias próximo de onde as manchas e fragmentos de óleo se depositaram. Foi coletada areia de baixo das manchas e do entorno e as amostras revelaram que ela estava contaminada", explicou.

Agora o foco está nos ecossistemas costeiros, formados por recifes, estuários e prados de angiospermas marinhas. Pernambuco exige um olhar mais sensível, porque recebeu quase um terço do total do material tóxico que chegou ao litoral, tendo uma faixa litorânea que representa apenas 6% da linha de costa impactada.

A rede de pesquisa, que conta com cerca de 50 profissionais, entre doutores, alunos de doutorado, mestrado e graduação, deve ir a campo já na próxima semana. Serão analisadas três localidades: o estuário do Rio Formoso, no Litoral Sul; Barra de Catuama, no Litoral Norte; e o estuário de Suape, no Grande Recife. Os resultados servirão de subsídio para estimar os impactos socioeconômicos de longo prazo associados ao desastre e para apoiar a tomada de decisão dos órgãos governamentais.

Para quem vive do mar, as consequências são sentidas ainda hoje. Maria de Cássia da Silva, 39 anos, vive da cata do marisco em Suape, no Cabo de Santo Agostinho, e também faz artesanato com a concha do fruto do mar. "Ainda tem gente hoje com medo do óleo, que deixa de comprar ou pergunta sobre isso. As vendas nunca se recuperaram depois do óleo. Naquela época, ninguém comprava. Depois veio a pandemia e também complicou a situação", conta. As vendas, segundo ela, só melhoraram um pouco em setembro. Ainda assim, o prejuízo é grande. "Antes, conseguia tirar R$ 600, hoje não chega nem em R$ 400 no mês." Na casa de José da Silva, 62 anos, também do Cabo de Santo Agostinho, foi a aposentadoria da mãe que sustentou as contas. "Depois do óleo, nada nunca mais foi a mesma coisa. Só recebi uma parcela do auxílio, tem sido muito difícil."

A pescadora Solange Maria da Silva, 54, que vive em Brasília Teimosa, Zona Sul do Recife, também sofre os efeitos do óleo. "As pessoas perguntam se tem óleo no pescado. Ainda existe o medo", relata. Para ela a situação é ainda mais dramática porque o auxílio prometido pelo governo na época, de duas parcelas no valor de um salário mínimo, nunca chegou. "Aqui são mais de dois mil pescadores e somente 700 receberam o valor. Entre as mulheres, foram só dez. Tem sido um período muito difícil, ainda mais com a pandemia", desabafa.

Também morador de Brasília Teimosa, José Pereira, 58, perdeu renda. Ele, que pesca lagosta, chegava a ter rendimento de R$2 mil. Hoje, não recebe metade. "Tem melhorado com a retomada, principalmente a reabertura das praias, mas a situação é muito difícil", lamenta.

Em nota, o Ministério da Cidadania informou que o pagamento foi feito diretamente aos pescadores inscritos e ativos no Registro Geral da Atividade Pesqueira até outubro de 2019. "Os pagamentos foram feitos em dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Entretanto, alguns pescadores estavam com os cadastros desatualizado (Registro Geral da Atividade Pesqueira ou o Cadastro Único). Por isso, à medida que esses pescadores foram regularizando a sua situação cadastral, foram recebendo os benefícios", diz o comunicado. O governo federal disse ainda que os pagamentos foram efetuados até junho de 2020 para 108.732 pescadores, correspondendo a R$ 108.514.536.

 

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DESAFIO Aposentadoria da mãe pagou as contas de José da Silva - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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PERDAS Também de Brasília Teimosa, José Pereira chegava a ter R$ 2 mil de rendimento mensal. Hoje, não recebe nem metade - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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LUTA Solange, de Brasília Teimosa, diz que ainda tem gente com medo de comer peixe - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

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