
A pandemia do novo coronavírus mudou a rotina de grande parte da população e com os ciclistas não foi diferente. Os apaixonados por bicicletas agora têm que se adaptar ao “novo normal” e ter uma atenção redobrada na hora de se aventurar pelas ruas, já que é preciso cumprir o distanciamento social, além de adotar novos cuidados com a higienização. Em homenagem ao Dia Nacional do Ciclista, comemorado nesta quarta-feira (19), o JC conversou com pedaleiros recifenses e especialistas sobre o que mudou durante esse período de crise e as medidas preventivas que devem ser tomadas para evitar o contágio pela covid-19.
Uma pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto da Cidade Pelópidas Silveira, em parceria com o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano, chamada de Pesquisa Origem-Destino Metropolitana 2018, aponta que apenas 2,44% dos residentes da capital pernambucana utilizam a magrela como modo de transporte para trabalhar.
O médico residente em infectologia Anderson Alares, 26, morador do bairro do Ipsep, localizado na Zona Sul do Recife, é uma das pessoas se que encontram dentro desta estatística. "Sempre utilizei a bicicleta para ir trabalhar, porque além não pegar trânsito, que detesto, e economizar meu tempo, fico mais tranquilo, com a mente aberta", disse o médico.
No entanto, após Pernambuco confirmar os dois primeiros casos de pessoas infectadas pelo coronavírus, no dia 12 março, a vida de Anderson mudou. Devido a chegada da pandemia, o médico passou a trabalhar em locais mais distantes e teve que deixar a bicicleta de lado, já que costuma carregar bagagens consigo.
"A mudança para mim foi muito ruim, porque perdi a qualidade de vida. Voltei a ter dores nas costas, engordei e adquiri uma rotina mais pesada. A bicicleta me dá um condicionamento aeróbico, sem ela me sinto mais cansado", declarou.
Por trabalhar na linha de frente no combate à covid-19, que já infectou mais de 100 mil pessoas em Pernambuco e causou a morte de mais de sete mil, o médico se isolou durante três meses, mesmo período em que ficou “sem tocar na bicicleta”. Apesar da continuar preocupado com a pandemia, o médico atualmente tem utilizado o meio de transporte como uma forma de praticar exercício físico.
“Sempre utilizo uma máscara de tecido quando vou andar de bicicleta. Procuro transitar por caminhos com pouca gente, por subúrbios. Não vou para a beira-mar, parques ou locais que tenha muita gente”, explicou.
Os benefícios de pedalar
De acordo com o professor de educação física Pedro Neves, a prática do ciclismo traz diversos benefícios para o corpo humano, em que melhora, principalmente, a condição cardiorespiratória, além de ser eficiente a nível muscular.
“Os músculos tendem a melhorar a resistência. A prática também também garante aos ciclistas benefícios indiretos, no qual quando há exposição ao raios ultravioletas, as pessoas absorvem vitamina d, por exemplo”, explicou.
O professor também afirmou que as pessoas que deixaram de utilizar a bicicleta durante o período de pandemia, como o caso do médico Anderson Alares, devem ter cuidado ao retornar às atividades. "É muito importante entender que há perdas em questão de condicionamento físico a partir de uma semana de pausa. As pessoas não podem retornar praticando da mesma forma que vinha fazendo anteriormente, pois há riscos de se obter lesões", disse o professor.
"Deve haver uma retomada gradual, com uma menor intensidade. Quanto mais tempo parado, menor deve ser a distância percorrida. A partir do momento que o ciclista retornar, vai perceber que os ganhos irão voltar e logo poderão voltar à atividade na velocidade e intensidade que praticava", completou.
Suporte
Moradora do bairro da Encruzilhada, na Zona Norte do Recife, a pedagoga Manu Saudades, 36, afirmou que “costuma utilizar a bicicleta para tudo”. Mãe da pequena Lua, 5, ela encontra no meio transporte um suporte em sua rotina diária.
“Eu e minha filha pedalamos pela cidade, a bicicleta faz parte da nossa vida. Além de economizar meu tempo, ganho autonomia enquanto mãe. Se eu fosse sair de ônibus estaria limitada em meus projetos, pois de bicicleta faço várias coisas durante o dia sem me preocupar com o tempo”, disse.
Assim como o caso do médico Anderson, a rotina de Manu e Lua também foi modificada devido à pandemia do novo coronavírus. Agora, a pedagoga só sai às ruas para realizar atividades essenciais, mas mesmo assim, para ela, a bicicleta tem sido um suporte. “Considero andar de bicicleta mais seguro do que pegar um ônibus ou pedir um carro por aplicativo”, declarou a pedagoga.
Os cuidados com a higienização com o meio de transporte também fazem parte da nova rotina de Manu. “Quando chego em casa lavo os pneus, toda a bicicleta e higienizo a cadeirinha que fica atrás”, contou. Segundo a médica epidemiologista Ana Brito, é necessário ter o cuidado com a higienização do equipamento mesmo quando ele pertence ao usuário, já que ele tem contato com a rua.
“A superfície pode ter contato com vírus e, dependendo do material que é feita, ele pode permanecer até três dias no objeto. O cuidado com a bicicleta tem que ser o mesmo de um carro, por exemplo”, citou a médica.
Para a pedagoga, um transporte tão acessível como a bicicleta deveria ser mais usado, o que não é feito, de acordo com ela, porque a estrutura da cidade não garante que os ciclistas possam transitar por mais locais com maior segurança, com ciclovias e ciclofaixas.
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Recentemente, a Prefeitura do Recife informou que essa gestão foi aumentado de 24 quilômetros de ciclovias em 2013 para 126,9 quilômetros até agora. De acordo com o órgão, durante a pandemia, foram implantados 11 quilômetros de rotas cicláveis nos bairros de Parnamirim, Casa Amarela, Água Fria, Apipucos, Barbalho e Burity.
Compartilhamento de bicicletas
O técnico em informática Daniel Barros, 26, morador do bairro da Madalena, na Zona Oeste do Recife, costuma utilizar o serviço de compartilhamento de bicicletas, o sistema Bike PE, para se locomover até o seu trabalho, que fica localizado no bairro do Recife Antigo, na Área Central da capital pernambucana.
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“Prefiro ir de bicicleta, porque economizo meu tempo para estudar. Se eu for de ônibus, gasto cerca de 40 minutos para chegar até o meu trabalho, enquanto de bicicleta levo apenas 25 minutos”, contou o técnico.
Ele ainda afirmou que, mesmo utilizando bicicletas que são compartilhadas com outras pessoas, ainda considera que esse seja o melhor meio de transporte para se locomover atualmente devido à superlotação dos ônibus. No entanto, agora adotou práticas de higienização que não possuía antes da chegada do vírus.
“Antes de subir na bicicleta higienizo ela com álcool e, quando entrego ela em alguma estação, faço uma nova higienização para ajudar na prevenção da próxima pessoa que for fazer seu uso”, declarou Daniel.
De acordo com a médica epidemiologista Ana Brito, quem utiliza o serviço de bicicletas compartilhadas devem ter o cuidado redobrado, já que o meio de transporte foi tocado por outra pessoa.“O usuário deve estar com uma flanela sempre e ter álcool líquido para passar por todo o equipamento. O álcool líquido é mais indicado do que o em gel, porque facilita a limpeza. É necessário estar também com a máscara de proteção e só tirá-la após limpar as mãos”, indicou a médica.
A Tembici, que é a responsável por operar o sistema Bike PE, afirmou que reforçou a higienização de todas as bicicletas e estações. Além disso, a empresa também disse que realiza uma limpeza diária com álcool 70%, ainda no centro de operações da empresa, e todos os equipamentos são lavados com cloro diluído em água.
Mesmo com a limpeza recorrente, a Tembici recomenda que os usuários também apliquem álcool em gel 70% nas mãos antes e depois de utilizar as bicicletas, além de fazer uso da máscara de proteção.
Cicloentregas em tempos de pandemia
Como uma forma de controlar a pandemia do novo coronavírus, nos mês de março, o governo de Pernambuco decretou o fechamento do comércio, restaurantes e outras atividades do setor econômico do Estado. Com isso, os estabelecimentos começaram a trabalhar apenas com o delivery, o que fez com que as pessoas que trabalham com entregas fossem as poucas que transitaram pelas ruas, enquanto grande parte da população permanecia dentro de sua residência.
“Foi um período muito difícil, as ruas ficaram com poucas pessoas. Então, além do risco de ser contaminado pelo vírus, nós, entregadores, também enfrentamos o medo de sermos assaltados”, desabafou o cicloentregador Marcelo Lira, 31, morador do bairro de Casa Amarela, na Zona Norte do Recife.
Atualmente Pernambuco já passou por uma reabertura econômica, mas entre os dias 16 e 31 de maio, cidades do Grande do Recife, como a capital pernambucana, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Camaragibe e São Lourenço da Mata passaram por um lockdown. Durante esse período, a população foi proibida de transitar pelas ruas, sem necessidade, e houve um rodízio de veículos, que não incluiu, porém, os profissionais que fazem serviço de delivery.
Apesar da retomada das atividades, os perigos da pandemia ainda existem, já que ainda não há uma vacina que possa imunizar as pessoas contra a covid-19. Diante disto, a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) resolveu criar um projeto para ajudar os profissionais que utilizam bicicletas para fazer entregas, o CicloIntegrar, que foi uma ação realizada no fim de julho.
“A iniciativa consistiu em fazer uma revisão completa nas bicicletas de 40 cicloentregadores, além de realizar a distribuição de kits de assistência básica, que eram compostos por cinco máscaras, álcool líquido e em gel, borrifador e flanelas”, explicou Vanessa Santana, que é coordenadora da Ameciclo.
As pessoas que receberam a ajuda da Associação foram os entregadores do grupo D’Lira, que é formado por Marcelo e mais 39 profissionais. Eles oferecem serviços de entrega, utilizando a bicicleta como meio de transporte, para algumas empresas. “Foi muito gratificante receber a ajuda, porque muitos dos entregadores precisavam de máscaras de proteção e não tinham como fazer a revisão das bicicletas, o que ajudou na segurança”, disse Marcelo.
Além do projeto CicloIntegrar, a Ameciclo também elaborou um estudo que afirma que as bicicletas e ciclovias são as melhores soluções para tempos de covid-19. “A bicicleta é o veículo mais seguro, sustentável e democrático que existe. O transporte público é sucateado, superlotados”, falou a coordenadora.
O distanciamento de dois metros entre as pessoas é uma das medidas indicadas por especialistas para ajudar no combate ao novo coronavírus.
Outros cuidados indicados pela epidemiologista
A médica Ana Brito afirmou que passeios ciclísticos coletivos não devem ser praticados devido à aglomeração de pessoas. “Mesmo que haja um distanciamento de dois metros, durante o movimento a chance de dispersão de gotículas nasais atingem uma distância maior”, explicou.
Caso o ciclista queira pedalar acompanhado de uma pessoa que mora na mesma residência, a médica afirmou que não tem problema, já que ela faz parte de seu convívio.
Ela também atentou para que o ciclista utilize sempre a máscara de proteção e procure transitar por lugares com um baixo número de pessoas. “O vírus segue o caminho das pessoas, não tem vírus sem ter gente”, concluiu a epidemiologista.




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