Desvio para a imprudência
O valor arrecadado em multas de trânsito deveria ser investido em segurança viária – mas bilhões de reais não aplicados tiveram outros destinos

Criado há quase 30 anos para viabilizar investimentos em segurança e educação no trânsito, com o objetivo de gerar ações preventivas voltadas à redução de sinistros que causam mortes, muito sofrimento e gastos com a saúde dos brasileiros, o Funset vem sendo ignorado pelo governo federal. No ano passado, de R$ 810 milhões em arrecadação de multas, apenas R$ 54 milhões foram para sua destinação legal. A maior parte desse montante foi contingenciada como reserva orçamentária. A prática tem sido comum: desde 2005, de uma soma de mais de R$ 23 bilhões provenientes das multas de trânsito, pouco mais de 21% cumpriram a função de prevenir para evitar o pior nas ruas e estradas do país.
Os números do Atlas da Violência e da Confederação Nacional do Transporte (CNT), expostos em matéria de Roberta Soares para o JC, acendem o alerta para o descompromisso das autoridades diante do sangue derramado nas vias. Os recursos poderiam ir para fiscalização, sinalização, renovação das frotas e outros fins relacionados à educação viária. Mas os governos preferem tomar outra rota, realizando desvios que atrasam a segurança e põem em risco, diariamente, milhões de pessoas. Se o dinheiro do Fundo específico não é o bastante para resolver um problema da magnitude da insegurança no trânsito no Brasil, a não utilização correta dos recursos indica a falta de compromisso com a sua solução. O fator estrutural se agrava, quando o investimento mínimo preventivo é deixado para trás.
A burocracia e a falta de projetos traduzem o descompromisso com o atendimento a uma clara demanda, para a qual é necessário o interesse ativo do poder público, em todas as esferas de gestão. Em 2024, menos de 6% do total autorizado para investimento veio a ser aproveitado. Desde 2005, dois terços do montante disponível no Funset foi para a reserva de contingência do Orçamento da União. Uma vergonha, entre tantas com o dinheiro público no Brasil.
O mais grave é que, da pequena parte aplicada, pouco se destinou aos propósitos do Fundo. Cerca de um quinto foi para publicidade e utilidade pública, enquanto 11% se gastou com ações para redução dos sinistros, e menos de 3% em iniciativas de educação no trânsito. Os desvios corroboram o desinteresse, fazendo com que o Funset sirva de cofre para outras despesas que não o seu foco original. A causa da segurança no trânsito, que devia ser prioritária, se presta ao olho grande de gestores que não fazem a menor questão de saber para que existe o fundo.
Os custos relacionados aos sinistros superaram, no ano passado, R$ 16 bilhões. A visão estreita de gestores públicos que não dão a devida atenção a uma alternativa existente para enfrentar a insegurança da população no trânsito, representa um dos fatores para a continuidade e o agravamento do problema. De 2018 para cá, a cifra passa de R$ 100 bilhões. Não dá para fingir que é pouco – mas se finge. Mas onde os recursos são utilizados para seus fins, os resultados aparecem, como em Natal (RN), onde a prefeitura fez as mortes no trânsito recuarem 18%, no ano passado, graças a investimentos em educação.