"Enxugando gelo"
Declaração do ministro Ricardo Lewandowski revela impaciência com o Congresso, mas também traz a incapacidade dos governos diante da criminalidade

Os brasileiros conhecem bem a insegurança a que estamos submetidos, diariamente. O ambiente urbano é arriscado a qualquer hora do dia ou da noite, e até ficar em casa, para larga parcela da população, envolve uma dose de ansiedade. O transporte coletivo parece uma armadilha utilizada pelos bandidos, para assustar e roubar os passageiros, nos veículos ou nas estações. Andar a pé nas ruas das cidades, por sua vez, constitui grande aventura, nem sempre concluída com boas histórias para contar. E nos bolsões de maior vulnerabilidade social, o crime organizado deitou raízes, fazendo sobretudo com que as facções do tráfico de drogas consigam ter mais domínio sobre a vida das pessoas do que o poder público, via de regra, retardatário nas comunidades. No país de ampla desigualdade, a miséria e a pobreza convivem com a violência como sina, sem que os governos, em qualquer nível, sejam capazes de cumprir promessas e efetivar a segurança para os cidadãos.
Ao defender os conceitos que estariam em sua base, e a necessidade de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública elaborada pelo governo federal, o ministro da pasta, ex-integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandoski, declarou à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados que o atual sistema de segurança é o motivo pelo qual “estamos enxugando gelo” na área. Ou seja: os governos podem até buscar soluções, mas os resultados alcançados não são suficientes para alterar a realidade, e muito menos a correlata percepção do povo de que nada sai do lugar em se tratando da segurança pública – ou até pelo contrário, a situação é tão escandalosa e grave que pode haver mais pioras do que melhoras, deixando a nação mais e mais intranquila.
De acordo com o ministro, a PEC representa uma reforma de base estrutural na segurança nacional. Dessa forma, somos levados a compreender que sua falta explicaria porque todos os esforços até agora realizados por diversos governos sucessivos não deu em outra coisa a não ser em nada. A proposta não trisca na Constituição, e muito menos nas funções constitucionais dos poderes da República, argumentou Lewandowski, em tempos de conflitos, explícitos ou velados, entre os ocupantes do Três Poderes no Brasil. Quando afirma que se trata de “uma resposta ao sentimento de intranquilidade dos brasileiros diante da criminalidade que vem crescendo”, o ministro reconhece com sinceridade a ineficiência do governo de que faz parte, bem como de toda a gestão pública brasileira nas últimas décadas, pelo menos desde a redemocratização, no combate ao crime e à violência dele decorrente.
A proposta, entre outras coisas, visa implantar uma coordenação nacional da segurança, elevando a articulação entre os entes federativos, e sinaliza para a criação de um Plano Nacional com a participação do sistema prisional – igualmente controlado pelo crime organizado em vários estados. O papel da Polícia Federal seria ampliado. A PEC no Congresso, no entanto, não esconde o atraso do atual governo Lula em relação ao tema, com pouco mais de um ano e meio para o encerramento do mandato.