Depois da barbárie, esquecimento
Três meses após episódios de balbúrdia e selvageria nas ruas do Recife, as torcidas organizadas pelo ódio celebram a omissão de sempre

Mais um clássico do futebol pernambucano marcado pela violência que começa do lado de fora do estádio, fez três meses sem que nada de concreto tenha acontecido para impedir novos ataques à cidade e à população. No dia 1º de fevereiro, vândalos e criminosos com as camisas de torcidas do Sport e do Santa Cruz se enfrentaram como gangues nas ruas da capital, produzindo imagens de terror que se espalharam pelo país, e causaram pânico nos cidadãos recifenses. Em reação esperada, algumas propostas surgiram, nos dias e semanas depois do ocorrido. Pelo menos sete projetos de lei, requerimentos e pedidos de urgência tramitaram na Assembleia Legislativa, em consequência da repercussão nacional da selvageria, reflexo da violência e da insegurança no estado, notadamente no Recife.
Mas até agora, como mostrou o JC-PE em reportagem de Rodrigo Fernandes, nada avançou na casa dos deputados estaduais. Como de praxe em relação à violência no futebol brasileiro, dificilmente a indignação gerada pela barbárie vai além do espanto transformado em discursos que não vão a lugar algum. Nem mesmo a repetição de imagens de crassa covardia foi suficiente para mobilizar os parlamentares pernambucanos – e os demais poderes – para efetivar providências de prevenção aos crimes e repressão aos bandidos que se sentem impunes para rirem da lei, tripudiando das instituições e não dando a menor bola para os direitos de ir e vir da população.
A ideia de um cadastro de maus torcedores não prosperou, ao que indica a paralisia da proposta. Seria o uso da informação para restringir o acesso de envolvidos em tumultos, brigas e depredações aos estádios. Uma iniciativa lógica que parece não ter encontrado respaldo para sua aplicação. Outro cadastro, esse de torcidas organizadas, utilizaria a mesma lógica para identificar os membros que se envolvessem nos episódios de violência, e seu histórico com a polícia. Um programa de ações educativas nas escolas, clubes e comunidades a respeito da paz no futebol também não ganhou importância na Assembleia. Em outra iniciativa, o registro de organizadas teria que acontecer com estatuto em cartório e relação de integrantes, com cadastro biométrico.
Infelizmente, nada disso sequer foi colocado em pauta pelos deputados estaduais. O futebol que proporciona choque de insegurança ao invés do deleite esportivo não desponta entre as prioridades de nossos parlamentares. As audiências públicas requeridas para debater o tema tampouco aconteceram, apesar da urgência que a desordem pública provocou, num primeiro e, agora, longínquo momento de comoção. Até uma frente parlamentar exclusivamente dedicada para tratar da violência em eventos esportivas chegou a ser imaginada. Mas também não foi instalada, 90 dias após mais um episódio em que o futebol passou longe do interesse das organizadas do crime e do ódio.
Dezenas de pessoas foram presas ou estão sob investigação devido ao terror no Recife em 1º de fevereiro. O problema não pode voltar a ser esquecido, como de hábito, até o próximo clássico da violência.