Omissão é violência às mulheres
Apesar do discurso alinhado com a necessidade, governo federal não utilizou os recursos que deveriam ter sido gastos em defesa das mulheres

O sofrimento das mulheres vítimas de violência, e de todas que temem ser vítimas, se ainda não foram, é bem conhecido no Brasil. Em especial pelo poder público, e ainda mais especialmente pelo governo federal, que tem na Esplanada um Ministério das Mulheres, “responsável pela promoção de políticas públicas para as mulheres” no país, incluindo entre suas competências a formulação e execução de diretrizes de garantia dos direitos, elaboração de campanhas educativas e acompanhamento da legislação sobre ações afirmativas em todo o território nacional.
Infelizmente, na atual gestão do presidente Lula, em relação ao ano passado, o discurso institucional e político está bem longe da prática. Ao menos no que diz respeito à aplicação de recursos separados, no orçamento, exatamente para prevenir e combater a violência contra as mulheres em uma nação machista, em que o machismo estrutural é tão ou mais pernicioso quanto o racismo. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) fez o levantamento dos dados de 2024, e constatou que apenas 14% do orçamento que deveria ser destinado a novos programas no Ministério das Mulheres foi efetivamente utilizado.
De quase R$ 220 milhões empenhados para os programas “Mulher viver sem violência” e “Autonomia econômica das mulheres”, somente R$ 26 milhões foram repassados. A Casa da Mulher Brasileira, que atenderia vítimas de violência, não chegou a receber um tostão dos R$ 41 milhões reservados para esse objetivo. A Central de Atendimento à Mulher, pelo telefone 180, recebeu menos da metade dos R$ 18 milhões que deveriam ter sido aplicados. Pelas cifras economizadas, pode parecer que a violência contra as brasileiras diminuiu no ano passado – mas, na verdade, aumentou. De 2011 a 2023, cresceram os casos de estupro (quase dobrando), de violência psicológica e doméstica. E os feminicídios foram 6,5% mais numerosos em 2024, em relação ao ano anterior.
A violência contra as mulheres no Brasil se vale da contribuição, por omissão, do governo federal. A expectativa otimista é que, até o final do presente mandato, os restos a pagar nos programas para as mulheres não se percam nos labirintos burocráticos, e alcancem as finalidades propostas. Até por causa da inclusão das políticas para as mulheres em outros ministérios, as iniciativas e receitas do Ministério da Mulher precisam ser respeitadas. E mesmo nessas outras pastas, como Desenvolvimento Agrário, a soma efetivamente utilizada ficou em metade do estipulado, segundo o Inesc, à exceção de Justiça e Segurança Pública, onde alcançou quase 65%.
A ministra Aparecida Gonçalvez traz no currículo a experiência de outros governos petistas, no Planalto e no Mato Grosso do Sul, com atuação no combate à violência contra as mulheres. Mas para que o ministério que comanda não faça as vezes de endereço meramente simbólico, seria melhor que o orçamento definido correspondesse à prática. Sem recursos empregados, não há como, sequer, avaliar a eficiência das políticas públicas.