Editorial JC: Transformação pela leitura
A exclusão no Brasil começa desde cedo, pela diferença de renda que se reflete no aprendizado da leitura e gera consequências por toda a vida
O país da desigualdade ganha outro indicador da avassaladora diferença que separa quem tem direito ou não a oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional. No Brasil, enquanto cerca de 84% dos estudantes do 4º ano fundamental com rendimento familiar mais alto apresentam desempenho adequado na compreensão da leitura, somente um quarto dos que estão na faixa mais pobre conseguem mostrar o mesmo resultado.
Trata-se de uma discrepância estrutural com repercussões profundas, pois a permanência na vulnerabilidade social se perpetua, entre outros fatores, através das dificuldades na apreensão e desenvolvimento das habilidades cognitivas e comunicativas.
Sem conquistar a compreensão de leitura adequada, que vai muito além da alfabetização, por disseminada que seja, crianças de famílias de baixa renda levam para a vida adulta os mesmos obstáculos de exclusão que provavelmente tolheram os pais e avós, reproduzindo as raízes da desigualdade.
Os números são do mais recente Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), da Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). Entre os países avaliados, com zero surpresa, o Brasil é aquele em que a diferença entre os dois grupos de faixa de renda é maior – quase 60 pontos percentuais – na compreensão da leitura.
Trata-se de indicador adicional à realidade vista nas ruas de todo o país, principalmente das capitais e regiões metropolitanas, onde a desigualdade se escancara no cotidiano, à vista da população e dos gestores públicos que parecem não serem capazes de identificar e atuar para reduzir o problema estrutural e histórico.
Quase a metade dos estudantes com menor nível socioeconômico – expressão técnica para pobreza – se encontra abaixo do básico no aprendizado da leitura. Ou seja, a decifração da junção de letras em palavras, de palavras em frases, e das frases em textos de sentido sujeito a diferentes interpretações, pode continuar difícil durante o restante da trajetória escolar, e se estender para a caminhada profissional, estreitando o leque de oportunidades e, por conseguinte, de ampliação da renda para a melhoria da qualidade de vida, já que se depender do poder público, no Brasil, a qualidade de vida para a baixa renda é oferta precária.
A desigualdade na educação é uma das bases da estrutura desigual na sociedade brasileira. O desempenho em leitura é um dos sintomas de uma situação que precisa de grande aporte de recursos, mas sobretudo, da decisão política que jamais foi consolidada como estratégica para o desenvolvimento nacional.
E para diminuir a distância observada no estudo, o setor público e o setor privado podem se alinhar num pacto pela educação que privilegie a formação básica, conferindo prioridade ao aprendizado da leitura. Importante que se perceba, nesse contexto, a essencial participação da difusão da literatura e dos profissionais relacionados ao livro nas escolas, fazendo se multiplicar no ambiente escolar o gosto pela leitura que encanta, amplia o olhar e transforma as pessoas e as nações.
Confira a charge do JC desta segunda-feira (28)