TANCREDO NEVES | Notícia

40 anos depois: a tragédia na redemocratização

Impedido de tomar posse pela doença e morto semanas depois, o presidente eleito pelo Congresso em 1984 deixou a articulação política como legado

Por JC Publicado em 21/04/2025 às 0:00

Entre a frustração pela negação das Diretas Já, movimento cívico que reuniu multidões em várias cidades do país pelas eleições livres para presidente da República, e a euforia de um político conciliador, que seria o primeiro civil no Planalto após 20 anos de ditadura militar, os brasileiros passaram por uma tragédia histórica na esperada volta à democracia, em 1985. A morte de Tancredo Neves antes da posse fez a nação chorar – e temer pela conclusão de um longo processo de transição, na saída negociada do poder ditatorial. Em seu lugar assumiu José Sarney, então vice-presidente, de início tomando o lugar provisório do líder mineiro. No dia 21 de abril, a confirmação do falecimento deixou a responsabilidade da consolidação democrática para Sarney, que de fato conduziu o Brasil para as eleições de 1989, quando Fernando Collor venceu e se tornou o primeiro eleito pela maioria popular na redemocratização.
Quarenta anos depois, a política nacional se ressente da falta de conciliadores respeitados em todos os partidos, e também entre a população, como Ulysses Guimarães, Marco Maciel e o próprio Tancredo Neves. O trio foi fundamental para a mediação junto aos militares, e também aos que insistiam nas eleições diretas como forma de garantir a transição com maior legitimidade. O legado de Tancredo – assim como os de Ulysses e Maciel – se inscreve na dedicada missão da articulação política como base de uma transformação profunda, sem violência, que teve como pilar a Constituição de 1988, antes do retorno às urnas para o Planalto.
O papel do governador de Minas Gerais, superada a ditadura, seria conduzir as instituições de um país ainda traumatizado pelo obscurantismo, na direção das conquistas da cidadania, restaurada a liberdade e resgatados os direitos individuais e coletivos. A confiança nele era grande, no Congresso e do lado de fora. Mas o sofrimento coletivo que se agregou à dor do presidente eleito impedido pelo destino, reescreveu a trajetória em que todos acreditavam. Muito antes de as expectativas se voltarem para Sarney, a comoção e o luto tiveram lugar, ao lado do medo de que a democracia não sobrevivesse, como Tancredo.
A união em torno de ideais para o bem coletivo é algo em escassez, quatro décadas mais tarde. A tragédia de Tancredo Neves poderia ter nos ensinado o valor da política como virtude diante do poder violento, intolerante e excludente. Mas as polarizações que viraram radicalismo no Brasil do século 21 indicam as dificuldades que continuam presentes numa democracia tumultuada – e não apenas de fora para dentro, mas também nas entranhas, pelos atores que deveriam, sempre, fortalecer a democracia. A recuperação da política como instrumento de poder para os que não detêm poder, ou seja, a população mais desassistida, é urgente para a retomada da credibilidade dos políticos.
Olhar para o valoroso trabalho de Tancredo Neves e enxergar o cenário atual, de visão limitada e interesses deslocados da coletividade, é perceber a continuidade do trágico na realidade brasileira.

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