335 mil pessoas vivem nas ruas
Retrato estatístico da exclusão, da desigualdade e da indiferença dos governos, população de rua no país dispara nas últimas décadas

Embora tenha sido criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman com um sentido mais amplo, em face da globalização excludente, o termo “refugo humano” adere à situação de desigualdade exposta nas ruas e calçadas das grandes cidades brasileiras. Sobretudo nas capitais e maiores centros urbanos, mas não apenas, o caráter desigual do país aparece com indisfarçável clareza. São centenas de milhares de pessoas sem ter onde morar, o que comer e o que fazer. Podem ser consideradas lixo social pelos governos municipais, estaduais e pelo federal, já que pouco ou nada se realiza em prol desses desassistidos habitantes, diríamos do infortúnio, mas na verdade, do desprezo que gera uma calamidade desumana.
Em 2013, há pouco mais de uma década, viviam nas ruas do Brasil, sem moradia, menos de 23 mil indivíduos. Em março último, o número contabilizado passa de 335 mil. O aumento denuncia a falta de políticas públicas – em qualquer esfera governamental – capazes de, primeiro, serem eficazes localmente, e segundo, servirem de modelo para adoção em todo o território nacional. E os números são baseados em dados oficiais, do governo federal, que anotam um crescimento nesse contingente, de 0,37% em três meses, desde o último dezembro. A síntese foi feita pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A subnotificação das informações a respeito de anos anteriores é apresentada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, como justificativa para a quantidade encontrada. A realidade é tão dura que é possível que os números escondam milhares de outras pessoas não reconhecidas pelos órgãos públicos. Segundo o CadÚnico, há pouco menos de 10 mil crianças e adolescentes e cerca de 30 mil idosos em situação de rua no país. E 84% dos 335 mil são homens. Mais de 80% dessa multidão de refugados conta com uma renda de até R$ 109 por mês. Uma parcela superior a 50% não concluiu os estudos de nível fundamental, o que se traduz em dificuldade para o trabalho que proporcione uma renda digna.
Para os pesquisadores do Observatório da UFMG, há notório descumprimento da Constituição, quando se constatam “pouquíssimos avanços na garantia de direitos dessa população” de rua no Brasil. De fato, o investimento que vem sendo realizado pelo governo federal na área, e pelos estados e municípios, é obviamente baixo e ineficaz. O relatório que faz um retrato estatístico da exclusão nacional serve de base para presentes e futuros governos, bem como parlamentares. Num país em que a miséria não é urgência, ou sequer assunto prioritário, a desigualdade se pereniza, e o desenvolvimento é travado por condições estruturais que repetem ciclos de pobreza de geração a geração, com raras exceções em nossa história.
E o refugo humano segue nas bordas de uma sociedade apática, à espera do salvador que sempre promete, e nunca salva ninguém.