ESTADOS UNIDOS | Notícia

Pluralidade em questão na reação a Trump

A chantagem dos cortes bilionários sobre as universidades traz uma discussão relevante para o mundo inteiro: a necessidade do pensamento crítico

Por JC Publicado em 16/04/2025 às 0:00

O convívio em um lugar pensado e construído para abrigar o conhecimento disponível em uma época: eis a gênese das universidades, ainda na Idade Média. Onde a união dos que ensinam aos que aprendem se transforma numa comunidade cíclica, pois os que aprendem poderão ensinar depois o que sabem, e a renovação do saber impõe o amadurecimento do ensino. As universidades de Paris, na França, e Bolonha, na Espanha, se destacam entre as primeiras, pelo conteúdo diverso que transmitiam, e pelo destaque na sociedade europeia, já no século XIII, antes de uma terra do outro lado do Atlântico ser conquistada e nomeada como Brasil.
Com o passar dos séculos, as universidades ganharam o status do desenvolvimento científico e, ao mesmo tempo, do pensamento crítico. Mas nem sempre o ambiente acadêmico é tão aberto à crítica da crítica, ou seja, à possibilidade de oferta de múltiplas correntes filosóficas ou teóricas. Em nosso país, a ditadura militar iniciada em 1964 promoveu a repressão aos estudantes e professores, fazendo com que tantas mentes brilhantes e mestres queridos voassem, expulsos para longe do país, se tinham a sorte de não serem tratados como criminosos. Com a redemocratização, a política reprimida tomou conta dos campi, e há anos é difícil achar diversidade ideológica nas universidades. Discursos alinhados substituem visões diferentes de mundo, prejudicando o cultivo de um lugar onde predomine a independência, com espaço para vários pensares e espírito crítico – ou seja, livre.
A necessidade da liberdade de pesquisa para a ciência, e do pensamento crítico contra qualquer sistema político – a exemplo do papel da imprensa – volta à tona em debate mundial, graças à truculência exibida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. As chantagens que vem fazendo a instituições de prestígio, formadoras de elites internacionais do conhecimento, e não apenas norte-americanas, ao lado do cancelamento de financiamento a entidades com atuação global, provocam indignação dentro e fora dos EUA. Depois da resignação da Universidade de Columbia, a reação da Universidade de Harvard, não se dobrando às exigências obscurantistas de Trump, obteve repercussão em todo o mundo. O preço, contudo, é bem caro: além de passar a tesoura em 2 bilhões de dólares, o presidente norte-americano ameaça tirar as isenções fiscais de Harvard, numa perspectiva de crise sem precedentes.
O próximo passo da reação a Trump, espera-se, há de vir da Suprema Corte, onde as universidades depositam a confiança da reversão dos cortes, e de restabelecimento dos orçamentos polpudos alimentados pelo governo federal. Enquanto isso, vale reafirmar a importância da pluralidade para uma contemporaneidade que parece presa a radicalismos – cujo combate, por tradição e vocação, tem tudo para partir do caldo diverso, dialético, multicultural e não monocórdico de um campus universitário. A natureza libertária do pensamento crítico, e a liberdade para a prática da ciência, transformam a universidade em um território político relevante. Mas a política não deve se sobrepor à liberdade de quem pensa, ensina, aprende e duvida do que se ensina e aprende, como recorda mais uma insanidade de Trump.

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