Editorial JC: Tarifaço dos EUA vira ataque à China
Depois da reação dos chineses no mesmo tom de taxação, Trump dobra a aposta e ameaça a potência asiática com sobretaxa acima de 100%

No jargão do novo ocupante da Casa Branca, o tarifaço em busca de justiça nas relações econômicas, que tabela alíquotas de importação de produtos pelos Estados Unidos por cada país, passando por cima das especificidades dos negócios e seu histórico na balança comercial, recebe de vez a denominação de guerra comercial, na disputa direta com a China.
O anúncio do governo de Donald Trump em represália à reação de Pequim ao tarifaço causou ainda mais abalos nas bolsas de valores, e fez o dólar subir no Brasil. A elevação da carga tributária de 104% aos produtos chineses que aportam nos EUA caiu como uma bomba sobre o mercado, e lança incertezas e temores a respeito dos objetivos, perspectivas e limites da política econômica de Trump que se baseia numa guerra comercial aberta contra o mundo.
Embora ainda não sejam claras as consequências para a economia global, os exportadores de todos os países, inclusive no Brasil, especulam e fazem contas para possíveis ganhos com a disputa de titãs e as oportunidades que a guerra entre as potências pode abrir.
A Organização Mundial do Comércio (OMC), por sua vez, criou um comitê especial para analisar as tarifas dos Estados Unidos – como se Trump se importasse com a análise feita além dos muros cada vez maiores de Washington. Assim como ensaia o cerceamento da liberdade de expressão nas universidades e contra a imprensa – que sempre atacou – o presidente norte-americano não se preocupa nem um pingo com os impactos de suas medidas isolacionistas sobre sua população, e muito menos, sobre outras nações.
Um dos problemas da agressividade adotada nas tarifas é a generalização de todos os produtos negociados, desabonando a história das relações comerciais. Há quem veja lógica e sentido na estratégia, mas a instabilidade global após o anúncio parece mostrar que a Casa Branca poderia ter tido outra atitude, ao invés de se confundir com o populismo performático de Trump.
Desde que começou com o tarifaço, os EUA não têm como reclamar da represália chinesa. Dobrar a aposta e elevar ainda mais a carga tributária, pondo 50% de sobretaxa que atinge mais de 100%, é de uma intempestividade que deixa os mercados agitados, à espera de novas ações imponderáveis da parte de uma superpotência que precisa demonstrar força, enquanto pode estar à deriva.
Alguns analistas apontam para o tiro pela culatra da chantagem tarifária norte-americana: a devolução dos chineses na forma de mais competitividade para seus produtos, ocupando maiores porções do mercado global, na medida em que os Estados Unidos se comportam como uma imensa ilha.
O futuro pode ser irônico ao ponto de a ditadura comunista tomar conta do planeta, através do capitalismo de resultados, deixando para trás a concorrência da pátria que já se apresentou como a defensora dos direitos humanos e da liberdade. Por outro lado, a sobreposição da política pela economia não deixa de ser um subterfúgio para os abusos antidemocráticos em andamento, no plano interno, por um governo de talhe autoritário, após a segunda chegada ao poder de Donald Trump.
Confira a charge do JC desta quarta-feira (9)