Democracia e desenvolvimento
Quase 1 bilhão de indianos decidem nas próximas semanas se o atual primeiro-ministro terá o terceiro mandato consecutivo

Em pleno crescimento econômico, a Índia começou a ir às urnas na sexta-feira, em eleições que vão durar seis semanas – afinal, quase 1 bilhão de eleitores estão aptos a votar no país mais populoso do mundo, depois de ter ultrapassado a China, ambos com mais de 1,4 bilhão de habitantes. A identificação dos frutos do desenvolvimento com o governo do primeiro-ministro Narendra Modi pode lhe render a maioria no parlamento e a consequente renovação do mandato, que exerceria pela terceira vez consecutiva. O processo democrático poderá abrir caminho, assim, para a consolidação das políticas implantadas por Modi, que têm mostrado resultado na economia, e na melhoria da qualidade de vida da população, com várias obras estruturais e programas sociais em curso.
O problema é que os indianos têm sofrido, nos últimos anos, com a hipertrofia do poder do Estado sob o primeiro-ministro que pretende se manter onde está. A agenda nacionalista está em alta, ao custo da liberdade individual e do respeito aos direitos humanos. Assim, como se vê em outros lugares do planeta, a ameaça à democracia surge da própria virtude democrática, que pode dar a impressão que o recebimento de largo montante de votos legitimaria a negação da democracia e de seus valores primordiais. Não legitima, nem na Índia, nem na Rússia, na Venezuela, nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil.
A distância entre as votações obtidas pelos aliados de Modi e a oposição pode representar um risco para os indianos, mesmo se a maioria escolher esse caminho. A tentação autoritária ronda o país, com o agravante da proximidade com o vizinho de continente que detém semelhante colosso demográfico. Será que o modelo chinês pode inspirar o governo indiano a fechar mais o regime, instalando cercas autoritárias no comportamento do povo, delimitando ainda mais o alcance da democracia sob o argumento falacioso de preservação e ampliação das conquistas do desenvolvimento?
Com a realidade modificada em apenas uma década, dispondo de mais oportunidades de negócios, o dobro de aeroportos e de viagens aéreas domésticas, e o acesso a milhões de banheiros que não existiam nas residências, a população indiana parece disposta a reconhecer no primeiro-ministro a liderança responsável pelo salto efetuado. Mas os resultados eleitorais que serão divulgados em junho não devem servir de cheque em branco para Modi revogar direitos que também fazem parte da construção da Índia do século 21, que se abre ao mundo e se apresenta como potência em veloz movimento ascendente no mapa global.
A intolerância praticada pelo governo, contra 200 milhões de muçulmanos indianos, e a falta de liberdade de imprensa, apontada por entidades internacionais, são exemplos do lado negativo da ascensão proporcionada por Modi. E ainda, do canto ilusório que pode ser entoado por avanços na economia que não garantem, a longo prazo, nem liberdade, nem desenvolvimento, se agregados a um viés totalitário mal encoberto pelo véu de eleições livres.