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Fim de vida digno

Ajudemos nossos familiares em momentos de muita pressão e angústia, coloquemos em pauta a discussão da possibilidade da eutanásia.....

Por ABRAHAM BENZAQUEN SICSU Publicado em 04/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 04/11/2025 às 11:18

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Qualidade de vida é fundamental. Louvemos os avanços que a ciência e a medicina conseguiram. No entanto, sejamos sábios, procuremos ter dignidade em nossos anos de existência, sem excesso de dor pela falta de compreensão de nossa finitude. O Senado uruguaio aprovou a chamada "Lei da Morte Digna". Em outras palavras, a Eutanásia, procedimentos que permitem que um paciente, por vontade própria, provoque sem sofrimento maior, sua morte. No Mundo, poucos países permitem. O tema está em discussão no Brasil. Desde que o poeta e filósofo brasileiro Antonio Cícero foi para a Suíça para realizar o procedimento, em outubro de 2024. O procedimento é ainda proibido no Brasil. O tema me impressiona por experiências vividas.

No fim dos anos 1970 tinha entrado na Universidade como aluno de mestrado e, logo em seguida como professor. Tínhamos um professor de sociologia brilhante. Diagnosticado com câncer, àquela época com tratamento caríssimo e pouquíssimas chances de prolongar a vida por muito tempo, passa por um drama pessoal seríssimo. Suas reservas financeiras eram diminutas. Acompanha o sofrimento que começa a causar à família, com remédios a preços estratosféricos e necessidade de idas ao exterior, incompatível com sua real situação financeira. Resolve se sacrificar, tira sua vida.

A reação social foi imensa. Movimentos religiosos e fanáticos ensandecidos, o acusavam de covarde e de irresponsável. Argumentos que o colocavam como quase um criminoso que deveria entender que a vida pertencia a Deus. Triste, eu o via como um ser mais que corajoso, pessoa ciente do que causava aos que o cercavam e da responsabilidade que tinha para os seus filhos e esposa.

Mais recentemente, vi uma senhora que ficou com vida vegetativa, por vários anos, sobre uma cama. Acompanhei o sofrimento de uma família. Tudo girava ao redor daquela cama, daquele dia a dia de sofrimento, sem perspectiva de mudança. Apenas as máquinas funcionando e o fim triste de alguém muito querida, fim que nunca chegava.

No Brasil, embora a eutanásia seja proibida, pela regulamentação do Conselho Federal de Medicina, existe a possibilidade da Ortotanásia. Ela não provoca a morte através de medicamentos, por exemplo, apenas deixa que ela ocorra naturalmente em casos como pacientes com doenças terminais graves. Suspensão de procedimentos que prolongam a existência de modo artificial ou mecânico. Evidentemente, desde que o paciente manifeste anteriormente esse desejo. Infelizmente, inconsciente o paciente, a decisão é posta nos ombros dos familiares, decisões muito complicadas que se assentam em critérios muito subjetivos.

Nessas ocasiões, pressões várias são feitas, inclusive por interesses mercantis, ou mesmo por chantagens emocionais, muitas vezes baseadas em preceitos religiosos e em falsas esperanças. A carga emocional é grande e difícil de suportar.

No sentido de minorar esses impasses, um documento pode ser registrado. Chama-se Testamento Vital, também chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV).

Uma pessoa lúcida, através dele, deixa registrado, antecipadamente, seus desejos sobre tratamentos médicos e procedimentos ambulatoriais aos quais não deseja se submeter no futuro. É uma orientação para médicos e familiares sobre os procedimentos a serem seguidos em situações de doença terminal, estado vegetativo, coma, ou acidentes graves. É facultado explicitar a recusa a tratamentos para prolongar a vida de forma artificial.

Conheço três modelos, em todos os três uma frase é bastante auto-explicativa: "Reconheço que o final da vida, a morte, é um processo natural e, portanto, recuso qualquer processo que prolongue uma vida sem dignidade, sem vida ativa e participativa."

Ajudemos nossos familiares em momentos de muita pressão e angústia, coloquemos em pauta a discussão da possibilidade da Eutanásia como caminho de respeito à dignidade dos humanos em casos extremos.

Abraham Benzaquen Sicsu,  membro da Academia Pernambucana de Ciências, doutor em Economia e professor Associado da UFPE

 

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