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"Ghosting", a sombria e súbita deserção

É certo que a decisão de findar um relacionamento afetivo não configura ato ilícito por ser faculdade conferida às pessoas envolvidas.

Por JONES FIGUEIRÊDO ALVES Publicado em 05/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 05/06/2025 às 14:31

O mestre de cerimônias, em tom grave, reunido ao casal, um japonês e sua esposa, pede-lhes que, com uma martelada, quebrem a alianças. Desse modo, inicia-se a cerimônia nipônica da separação, onde o encarregado dos divórcios organiza o ritual pelo qual os divorciandos, com a quebra das alianças, exprimem seu desamor antes de se separarem.

De evidente, o paradigma do desamor é uma realidade antes vivenciada, no que importa a quebra da união existencial do casal, dado que o rompimento das relações se opera em um determinado curso temporal, como uma morte anunciada, sem surpresas ou sem perplexidades.

Impõe-se, por inafastável atitude ética, um comportamento juridicamente relevante, o de o(a) parceiro(a) - ao invés de um abandono súbito, não anunciado, feito ao apagar das luzes, se subtraindo, de repente e às pressas, da vida do outro - vir honestamente, anunciar a ruptura. Opera-se, no caso, a adoção da alternativa do "Caspering", ou seja, a do "o desapontamento suave", tratada por Marx Benwell.

Relações afeto-familiares, sem os sinais vivenciais e pré-anunciados da falência afetiva, podem configurar um ato ilícito, a ilicitude civil do "ghosting". Um ato contendo a particularidade da ruptura por aquele(a) que, em evidente abuso de direito, rompe a união através de uma sombria e súbita deserção, onde o "pronto abandono" acarreta considerável dano psicológico. De fato, o abuso de direito também ocorre quando alguém excede seu próprio direito, lesando, então, o direito de outrem. É significativo conferir hipóteses tais:

(i) a separação repentina ("ghosting") pode dar direito à reparação por danos morais. O juiz Paolo Pellegrini, da 1ª Vara de Iguape (SP), condenou um homem a pagar indenização à sua ex-companheira porque a expulsou de casa repentinamente.

(ii) o direito de vida em comum pode ser também abusivo, por um deles, quando persevera em uma união ficta, diante de um vínculo afetivo que já se acha dissolvido unilateralmente (paradigma do desamor).

(iii) por quebra de esponsais, de forma abusiva, o juiz Fernando Florido Marcondes, da 2ª Vara Cível de Presidente Prudente (SP), condenou um noivo que desistiu do casamento a pagar indenização à ex-noiva a título de danos morais. Disse constituir "ato ilícito o rompimento sem justificativa de um noivado às vésperas do casamento, pois causa humilhação à vítima".

Em todas as hipóteses de configuração, tem-se o elemento surpresa, o inesperado do agir, a reserva mental, a forma de ruptura em um agir egoístico, que menospreza a dignidade de outrem que se sinta, surpreendente e imotivadamente, rejeitado.

O término repentino de um relacionamento afetivo, "sem quaisquer explicações ou aviso", mereceu o termo "ghosting", alusivo à prática de quem desaparece do relacionamento como que fantasmagoricamente. Empregado nas mídias sociais, o termo resultou incluído, em 2015, no Collins English Dictionary.

A prática tem sido objeto de análise por seus efeitos danosos de abuso emocional, experenciados por aqueles que sofrem o "ghosting", quando quem o pratica, o "ghoster", sem pretender discutir, previamente, o fim da relação, mostra-se insensível quanto ao ato ilícito, agressivo e cruel do seu comportamento.

Induvidosamente, o sentimento de rejeição sem a explicação adequada, extraído da ruptura inopinada, acarreta um dano moral e psicológico a quem se coloca em posição passiva do abandono abrupto, o "ghostee". É suscetível a aplicação do art. 186 do Código Civil. Não há negar que a responsabilidade afetiva obriga a todos, e quem dela não cuida, incide na irresponsabilidade relacional, de sorte que toda a irresponsabilidade é agressiva e ilícita.

No trato do tema, a psicanalista Giselle Groeninga (SP), especialista em terapia de casais, tem se debruçado, com reconhecido talento, sobre o fenômeno do "ghosting", no plano dos protagonistas, em análises percucientes do comportamento da falta de responsabilidade emocional e afetiva. Mesmo o desamor, desapartado da responsabilidade afetiva recíproca, impõe responsabilidades a quem deixou de amar (ou nunca verdadeiramente amou na relação).

O "ghosting" gera um trauma e um dano permanentes. Tem sido afirmado, em diversas pesquisas, que "a experiência de levar um "ghosting" traz um alto custo psicológico para quem sofre o abandono, impedindo-os de explorar novos relacionamentos". Impede uma abertura de futuro aos que precisam reconstituir a vida, diante dos reflexos da experiência traumática.

É certo que a decisão de findar um relacionamento afetivo não configura ato ilícito por ser faculdade conferida às pessoas envolvidas. Entenda-se, porém, que determinados fatos, concretos e peculiares, quando subsumidos no "ghosting", podem gerar, sim, indenização pertinente. Bastante, com a devida adequação, que o término da relação afetiva tenha ocorrido de forma anormal, abusiva, humilhante, expondo a pessoa à situação vexatória, para que se admita o rompimento indenizável.

Impõe-se pensar o instituto jurídico do abandono, notadamente o abandono súbito, em sua dinamicidade, cujas consequências estão a exigir tratamento da doutrina e novas dicções da jurisprudência. Quando o abandono tem seu momento repentino, faz-se urgente refletir o fenômeno do fato. Lembrar a frase exupériana: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Jones Figueirêdo Alves, desembargador emérito do TJPE. Advogado e parecerista

 

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