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Escrutínio incorruptível

Não gosto de discutir religião, futebol e literatura. Religião, porque até hoje ninguém me explicou por que Deus permitiu Hitler matar inocentes.

Por ARTHUR CARVALHO Publicado em 04/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 04/06/2025 às 9:10

Acordei hoje com saudade de Naipaul que nunca mais li. De Vidiadhar Naipaul e John Updike. Naipaul nasceu em Trindade e Tobago, filho de brâmanes indianos. Seu pai, que era contista, o incentivou a escrever desde cedo. "Não fossem os contos de meu pai," disse Naipaul, "eu não saberia quase nada sobre a vida da nossa comunidade indiana."

Talvez isso tenha me identificado com ele, desde a infância pela vasta obra poética do meu querido avô paterno Aloysio de Carvalho, proprietário do Jornal de Notícias, considerado um dos maiores jornalistas baianos, que escrevia muito melhor do que eu, e cantou os costumes e tradições da Bahia em 6.728 poemas em sua popular coluna diária do JN sob o pseudônimo de Lulu Parola.

Ao ganhar o Prêmio Nobel de literatura de 2001, Naipaul foi elogiado por unir narrativa perspicaz e escrutínio incorruptível em obras que nos obrigam a ver a presença de histórias reprimidas: "eu sou aquele tipo de escritor que as pessoas pensam que os outros estão lendo" - dizia ele.

Seus livros que mais gosto são O massagista místico (1957), Miguel Street (1959) e Guerrilheiros (1975). Não deixem de ler Uma curva no rio (1979). Naipaul abordou muitas vezes em seus escritos a figura do andarilho solitário, ou outsider - tema extraído da própria experiência como indiano nas Índias Ocidentais e como natural das Índias Ocidentais na Inglaterra. Uma delícia. Não perca, para variar um pouco do processo criminal do imbrochável no STF, de Dostoievski, Machado de Assis e Conrad.

Tô pegado agora com Umberto Eco, um dos escritores preferidos do saudoso cronista pernambucano Renato Carneiro Campos, cujo nome, apesar da grandeza do autor, é proibido de se pronunciar na vetusta APL.

Não gosto de discutir religião, futebol e literatura. Religião, porque até hoje ninguém me explicou por que Deus, sendo misericordioso, permitiu que Hitler matasse 60 milhões de civis inocentes da 2ª Guerra Mundial. Não em futebol, com quem não viu Domingos da Guia, Zizinho, Heleno de Freitas e Leônidas da Silva jogar. E literatura com quem não leu Miguel de Cervantes, Dante e Homero; Zé Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Castro Alves e Joaquim Cardoso. Um sanatório de Londres avisa a Trump e Putin, com o letreiro na frente: "Nem todos os que estão aqui são e, nem todos os que são, estão aqui."

Arthur Carvalho, da FENAJ

 

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