Os crimes consumados e tentados
Nos termos da redação original do Código Penal de 1940, o resultado do crime é dividido entre aquele consumado e o tentado.......

Originariamente, o Código Penal de 1940 - ainda hoje em vigor, embora profundamente reformado com o correr dos anos -, elaborado que foi pelo professor Alcântara Machado, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e revisado por uma comissão de juristas formada pelos professores Vieira Braga, Nélson Hungria, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira, teve a sua aprovação pelo então presidente Getúlio Vargas, através de Decreto-Lei, em pleno Estado Novo (1937/1945), por conseguinte, sem passar pelo crivo do Congresso Nacional. Por incrível que pareça, durante a ditadura Vargas, sem a participação do Congresso Nacional, além do Código Penal de 1940, foram aprovados, também, o Código de Processo Penal (1941), a primeira norma regulamentando a Previdência Social (1941) e a Consolidação das Leis do Trabalho (1943).
Nos termos da redação original do Código Penal de 1940, ainda vigente, como já salientado, o resultado do crime é dividido entre aquele consumado e o tentado. A consumação de um crime dá-se quando o agente, responsável penalmente, por ação ou omissão, pretende levar a termo a sua firme e determinada intenção de cometer o delito, conseguindo a sua vontade, o seu intento. Matar alguém é a conduta delituosa que enseja na prática de um homicídio consumado, porque a intenção do autor do fato era a de tirar a vida de alguém, conseguindo a sua vontade. A tentativa, por sua vez, ocorre quando o agente tem a intenção de matar, inicia a execução do crime, mas não consegue perpetrar a morte, por circunstâncias alheias à sua vontade. Outra distinção entre os dois resultados, está na quantidade da pena. Matar alguém, de forma intencional, a sanção penal poderá atingir os 30 (trinta) anos de reclusão, em regime fechado; na tentativa, a pena deve ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), dependendo da situação concreta dos fatos, que é analisada pelo juiz ou pelo tribunal, quando da fixação da pena.
Com a aprovação da Lei Federal nº 14.197, de 1º/09/2021, que introduziu um Capítulo dedicado exclusivamente aos crimes contra as instituições democráticas, pela primeira vez na história legislativa penal brasileira o legislador tipificou como ilícito penal a abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o golpe de Estado, estipulando que a sua simples tentativa implicaria no cometimento dos delitos, mesmo que não haja o início da execução ou que a tentativa não seja consumada, até porque, se consumados, os crimes não existirão. Dessa forma, para a existência dos dois crimes aqui ventilados, não é necessário que as ações sejam precedidas de qualquer ato violento ou do uso de materiais bélicos. O golpe militar desencadeado em 1º/04/1964 não foi precedido de nenhum tipo de violência contra pessoas ou instituições. No dia seguinte, aí sim, os atos de força vieram à tona, com as consequências que todos nós conhecemos.
Como se observa, somente a partir de 1º/09/2021 a prática - por parte de qualquer ser humano com responsabilidade penal - de comprovados atos preparatórios que tenham o condão de planejar, idealizar, premeditar, projetar, programar ou que venha a traçar metas com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito ou que busque, através de um golpe de Estado, romper um governo legitimamente escolhido pelo voto popular, estará cometendo pelo menos uma das duas infrações penais, independentemente da sua consumação ou do seu resultado. Os crimes de abolição ao Estado Democrático de Direito e o golpe de Estado (art. 359-L e M, do Código Penal), serão sempre consumados pela simples tentativa, ademais a própria redação conferida aos tipos penais exigem, para a sua consumação, apenas o uso dos meios - legais ou ilegais - que possam desembocar na ruptura do Estado Democrático de Direito ou na intervenção nos Poderes da República, através de um golpe, de qualquer espécie. A simples tentativa, por quaisquer dos meios materiais ou humanos empreendidos, com o uso da grave ameaça, com a finalidade de romper o Estado Democrático de Direito, sem dúvidas, caracteriza crimes contra as nossas instituições democráticas, daí a necessidade de punição para os infratores da lei, no devido processo legal, observados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor da pós-graduação em Direito do Instituto dos Magistrados do Nordeste (IMN), membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP), autor de livros jurídicos