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Regular (ou não) as plataformas digitais e a IA: por que não dá mais para esperar

Assim como já reconhecido quanto ao sistema penitenciário, também na comunicação digital, o Brasil vive em um estado de coisas inconstitucional.

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 17/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 17/05/2025 às 17:41

Recente discussão - como sempre acalorada entre os palpiteiros leigos - envolvendo o aplicativo de compartilhamento de vídeos TikTok e o Governo brasileiro, reacendeu debate que parecia amornado. Nesse sentido, chega a ser até algo positivo. Voltou-se a falar em primeira página da regulabilidade das plataformas digitais, a atingir, por igual, a Inteligência Artificial, na perspectiva da garantia constitucional da liberdade de expressão.

Não dá para adotar soluções improvisadas. O caminho convola em verdadeira a advertência de Couture: "O tempo se vinga das coisas que são feitas sem a sua colaboração". Compete ao Brasil inserir-se no enfrentamento do assunto, acabar com hipocrisias, refutar demagogias e entender que o problema é mundial e preocupa há alguns anos. Não dá para varrer o pó para baixo do tapete.

Vale o mesmo raciocínio no que se refere à IA. Idêntica métrica. O que se persegue é o emprego confiável da tecnologia, algo que implica em transparência e segurança. Como garantir a justiça, valor fundamental, em um mundo digital? A OAB, através do seu Observatório Nacional de Cibersegurança, Inteligência Artificial e Proteção de Dados, no ano de 2024, contribuiu com o brainstorm, inclusive, sob o viés deontológico. O CNJ também se movimentou.

O ambiente on-line, indiscutivelmente, atrai o bem e o mal. Presta-se à difusão e à democratização do conhecimento útil, traz conscientização às pessoas, mas também é deturpado para o estímulo, a incitação e a prática de crimes, além do espalhamento de mentiras e teorias conspiratórias, com fenômeno como o

"cancelamento" de pessoas sem o contraditório e a ampla defesa e outras desgraças.

O ecossistema digital abriu as portas ao vírus da glorificação da comunicação fútil e superficial (aí estão os influenciadores e subcelebridades exibindo suas riquezas materiais e extravagâncias como se não houvesse amanhã). Crianças e jovens estão vulneráveis a perigos sérios e não há exagero em afirmar isso.

Sim, claro: a liberdade de expressão, constitucionalmente considerada, há de ser a regra. Mas também sim, claro, não é saudável, nem desejável, que existam liberdades absolutas, como não se tolera a censura prévia, nem se pode deixar de fazer uma ponderação entre a aludida liberdade e a defesa do interesse coletivo, preservando-se a sanidade geral, descartando-se os frutos podres do cesto, sem que seja preciso jogar fora todo o seu conteúdo.

Há que se assegurar a livre circulação de ideias e o direito à crítica, mas nunca normalizar, sob esse fundamento, o discurso de ódio e as fake news. O que é que produz, em maior amplitude, a desinformação? Desgaste da credibilidade da mídia tradicional, confusão, descrédito das instituições democráticas, divisões sociais e políticas, polarização, fragmentação do tecido social, além de dificultar o diálogo construtivo e impedir a formação de consensos, sem que os interlocutores tenham de se atacar até um deles ir à lona. Como ser a favor disso?

A história previne através do exemplo. Cito dois. O nazismo instrumentalizou a mentira como propaganda para consolidar inimigos externos (como os judeus) e submeter a nação a uma obediência irrestrita, mesclada ao fanatismo. Já na Rússia de Stálin, falsificava-se a realidade e opositores eram eliminados também dos registros oficiais. Tudo sob o manto da liberdade de expressão.

Ao se exaltar uma cultura da ostentação, da estupidez e da baixaria, e ignorar que o inimigo que dizem ser o inimigo nunca foi inimigo coisa nenhuma, se deixa de compreender o perigo à espreita no que toca às plataformas digitais. Como se omitir? Como formar cidadãos assim? Não, não se trata de "tecno autoritarismo", controle exercido pelo Estado sobre a população, violando direitos fundamentais e/ou impondo riscos à salvaguarda de tais direitos. Trata se de algo muito diverso: um premente despertar que se impõe desde as salas de aula. Plataformas digitais e IA não podem ser terras sem lei. Que algo aconteça. Assim como já reconhecido quanto ao sistema penitenciário, também na comunicação digital, o Brasil vive em um estado de coisas inconstitucional.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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