A fé cura
Se você tem fé, como na metáfora da montanha de Jesus, tire proveito, siga adiante. Mas entendendo que prática religiosa atua com complemento.

Passamos há pouco pelo período pascoal, ponto alto do cristianismo. Seguido pelo falecimento do Papa Francisco, após uma longa e sofrida enfermidade. Ouvi, num grupo, intrigante questionamento: "se representava a igreja e Deus na terra, com fé poderia ter se curado; ou seja, fé não cura". O que me gerou reflexões.
Há muito a ciência médica enxerga essa relação. O efeito placebo, onde a crença em um tratamento pode levar a melhorias reais na saúde, é significativo, nesse contexto. Tanto que, necessariamente, todo teste de nova terapia precisa ter um grupo controle usando placebo - e ter eficácia maior que ele - para ser aprovada. Estudos mostram que práticas religiosas e espirituais podem desencadear respostas placebo, ao influenciar positivamente a experiência emocional e o controle cognitivo (Fonte: Frontiers).
Essa relação entre fé e cura tem sido objeto de diversos estudos científicos, com resultados variados. Pesquisas respaldam a ideia de que fé pode ter efeitos positivos na saúde mental e física, algumas indicando que a participação regular em atividades religiosas pode melhorar o sistema imunológico, reduzir a pressão arterial e até aumentar a longevidade (Fonte: National Geographic). No aspecto longevidade, há publicações densas sobre o tema. Uma das mais abrangentes, publicado no JAMA Internal Medicine em 2016, identificou que as mulheres frequentadoras de qualquer tipo de serviço religioso, mais de uma vez por semana, comparadas a não frequentadoras, tinham uma chance 33% menor de morrer durante um período de acompanhamento de 16 anos. Outro estudo, publicado na PLOS One, revelou que a frequência regular ao culto estava ligada a reduções nas respostas de estresse do corpo e até mesmo na mortalidade - os fiéis tinham 55% menos probabilidade de morrer durante o período de acompanhamento de até 18 anos, do que as pessoas que não frequentavam o templo, igreja ou mesquita. !
A fé profunda beneficia a saúde, com redução da sensação de solidão e consequentes melhorias nas funções imunológicas, possivelmente pela interação com o divino ser percebida como uma conexão social positiva (Fonte: Stanford Report).
Apesar dessas e outras observações, muitos cientistas consideram a cura pela fé como pseudociência, devido à falta de plausibilidade biológica e evidências irrefutáveis.
Aí, se você é pessoa bem religiosa, pode estar perguntando: se a fé move montanhas - expressão originada nas pregações de Jesus, que ensinou simbolicamente "com fé do tamanho de um grão de mostarda, é possível dizer a uma montanha para se mover, e ela se moverá" - como não crer em seu poder de cura? E os tantos milagres relatados na história do cristianismo, doenças "incuráveis" sendo sanadas, como interpretar? Como ignorar milhões de peregrinos se deslocando, com sacrifícios, para vários santuários no mundo à cata de melhoria na saúde, tantos referindo resultados? Pois é, amigo, a ciência é fria, gélida. É muito bom, por um lado, que assim seja.
Por outro, se você tem fé, como na metáfora da montanha de Jesus, tire proveito, siga adiante. Mas, é indispensável entender que prática religiosa atua como importante complemento, sem nunca substituir tratamentos médicos convencionais. Portanto, não troque um pelo outro. Fé e ciência médica de mãos dadas. Amém, Hipócrates!
Murilo Guimarães, médico pneumologista