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A fé cura

Se você tem fé, como na metáfora da montanha de Jesus, tire proveito, siga adiante. Mas entendendo que prática religiosa atua com complemento.

Por MURILO GUIMARÃES Publicado em 17/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 17/05/2025 às 17:40

Passamos há pouco pelo período pascoal, ponto alto do cristianismo. Seguido pelo falecimento do Papa Francisco, após uma longa e sofrida enfermidade. Ouvi, num grupo, intrigante questionamento: "se representava a igreja e Deus na terra, com fé poderia ter se curado; ou seja, fé não cura". O que me gerou reflexões.

Há muito a ciência médica enxerga essa relação. O efeito placebo, onde a crença em um tratamento pode levar a melhorias reais na saúde, é significativo, nesse contexto. Tanto que, necessariamente, todo teste de nova terapia precisa ter um grupo controle usando placebo - e ter eficácia maior que ele - para ser aprovada. Estudos mostram que práticas religiosas e espirituais podem desencadear respostas placebo, ao influenciar positivamente a experiência emocional e o controle cognitivo (Fonte: Frontiers).

Essa relação entre fé e cura tem sido objeto de diversos estudos científicos, com resultados variados. Pesquisas respaldam a ideia de que fé pode ter efeitos positivos na saúde mental e física, algumas indicando que a participação regular em atividades religiosas pode melhorar o sistema imunológico, reduzir a pressão arterial e até aumentar a longevidade (Fonte: National Geographic). No aspecto longevidade, há publicações densas sobre o tema. Uma das mais abrangentes, publicado no JAMA Internal Medicine em 2016, identificou que as mulheres frequentadoras de qualquer tipo de serviço religioso, mais de uma vez por semana, comparadas a não frequentadoras, tinham uma chance 33% menor de morrer durante um período de acompanhamento de 16 anos. Outro estudo, publicado na PLOS One, revelou que a frequência regular ao culto estava ligada a reduções nas respostas de estresse do corpo e até mesmo na mortalidade - os fiéis tinham 55% menos probabilidade de morrer durante o período de acompanhamento de até 18 anos, do que as pessoas que não frequentavam o templo, igreja ou mesquita. !

A fé profunda beneficia a saúde, com redução da sensação de solidão e consequentes melhorias nas funções imunológicas, possivelmente pela interação com o divino ser percebida como uma conexão social positiva (Fonte: Stanford Report).

Apesar dessas e outras observações, muitos cientistas consideram a cura pela fé como pseudociência, devido à falta de plausibilidade biológica e evidências irrefutáveis.

Aí, se você é pessoa bem religiosa, pode estar perguntando: se a fé move montanhas - expressão originada nas pregações de Jesus, que ensinou simbolicamente "com fé do tamanho de um grão de mostarda, é possível dizer a uma montanha para se mover, e ela se moverá" - como não crer em seu poder de cura? E os tantos milagres relatados na história do cristianismo, doenças "incuráveis" sendo sanadas, como interpretar? Como ignorar milhões de peregrinos se deslocando, com sacrifícios, para vários santuários no mundo à cata de melhoria na saúde, tantos referindo resultados? Pois é, amigo, a ciência é fria, gélida. É muito bom, por um lado, que assim seja.

Por outro, se você tem fé, como na metáfora da montanha de Jesus, tire proveito, siga adiante. Mas, é indispensável entender que prática religiosa atua como importante complemento, sem nunca substituir tratamentos médicos convencionais. Portanto, não troque um pelo outro. Fé e ciência médica de mãos dadas. Amém, Hipócrates!

Murilo Guimarães, médico pneumologista

 

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