Paulo Roberto Cannizzaro: onde está a sociedade organizada brasileira para a nossa transformação social?
A democracia sempre se fortalece na medida em que a sociedade se mobiliza, ela exige verdade e transparência, participação no debate público

C.S Lewis em sua magnífica "Cartas do Inferno" escreveu:
"O maior mal não é feito nos sórdidos antros do crime que Dickens adorava pintar, nem é feito nos campos de concentração ou de trabalho forçado. Neles vemos seu resultado final. Mas ele é concebido e ordenado em escritórios claros, acarpetados, aquecidos e bem iluminados por homens tranquilos com colarinhos brancos e unhas cortadas".
A desvirtuação da política no Brasil contemporâneo é assustadora e tem esse semblante de crimes que vêm sendo cometidos contra o interesse público, referindo-se principalmente ao afastamento dos princípios éticos, republicanos e democráticos que deveriam orientar o centro da atividade política, resultando em desgaste institucional, crise de confiança e desvios de finalidade nas ações do Estado, em todas as dimensões.
Os poderes Judiciário, Legislativo e o Executivo do Brasil, notadamente nos últimos anos, são simplesmente patéticos.
O tempo passa, e tudo sugere estar pior. A desvirtuação da política no Brasil manifesta-se por meio de uma corrupção endêmica, personalização das lideranças, enfraquecimento institucional e prevalência de interesses privados ou partidários sobre a pauta de agendas públicas.
Descrédito coletivo
Um desvirtuamento que produz descrença nas instituições, aumento da polarização e dificuldades para avançar em reformas fundamentais para o desenvolvimento do país.
Talvez não seja exagerado identificar que no cenário atual, a política brasileira atravessa uma de suas fases mais turbulentas e de desgastada imagem, nenhuma crença que haja líderes autênticos e melhorias efetivas.
Os últimos anos revelam o comprometimento e o mal funcionamento das instituições democráticas, alimentando um sentimento generalizado de desconfiança da população quanto à classe dirigente.
Presidentes são presos, uns são destronados, outros voltam ao poder depois de acusados de corrupção, e os escândalos se sucedem.
O país se distrai entre tragédias diárias de depravações. E a corrupção tornou-se sistêmica, os escândalos que antes escandalizavam agora são rotineiros e normais.
As últimas novelas do Mensalão e a operação Lava Jato expuseram os complexos esquemas de desvios de recursos públicos e compra de apoio parlamentar, envolvendo políticos de diferentes partidos, empresários influentes e altos funcionários do Estado.
Mas o legado é quase nenhum. Criou-se apenas a sensação de que a corrupção se tornou parte integrante do sistema político e que a punição para os envolvidos depende muito mais de circunstâncias políticas, do que o real julgamento e aplicação da lei.
A personalização da política
Além disso, vê-se a crescente personalização da política. O debate público é concentrado em figuras políticas desgastadas, transformando candidatos em marcas e líderes em celebridades, e deixa-se em prateleiras menores os projetos e as ideias defendidas pela sociedade.
O discurso populista se expandiu, promessas fáceis e retórica emocional, substituindo propostas estruturadas e discussões técnicas, fragilizando a qualidade do debate público. Ademais, é preocupante a fragilidade das instituições.
É cada vez mais comum judicializar temas políticos, transferindo decisões que deveriam pertencer ao Legislativo para os tribunais. Ao mesmo tempo, órgãos de imprensa e entidades de fiscalização sofrem ataques e tentativas de deslegitimação, o que põe em risco um dos pilares da democracia: o controle social do poder.
A máquina pública é utilizada não como instrumento de promoção do bem-estar coletivo, mas como meio de atender aliados políticos e interesses particulares, via distribuição de cargos, e principalmente destinação direcionada de recursos públicos.
Tais práticas aprofundam o descrédito entre governantes e governados, desestimula a participação política consciente, alimenta a sensação de que ações do Estado pouco ou nada dialogam com as reais necessidades da população.
Caminhos possíveis
Por fim, o ambiente político brasileiro é terreno fértil para a radicalização e o embate hostil. A polarização domina o discurso, e a disseminação de notícias falsas contribui para distorcer ainda mais o debate sério, dificultando a construção de consensos e soluções para os problemas nacionais.
Mesmo num quadro tão preocupante, é certo que haja espaços de transformação social.
A democracia sempre se fortalece na medida em que a sociedade se mobiliza, ela exige verdade e transparência, participação no debate público e cobra das instituições o seu papel de vocação constitucional.
Reconhecer e debater a desvirtuação da política é o primeiro passo de possibilidades para o verdadeiro sentido da participação política: a promoção do interesse coletivo e o fortalecimento da cidadania. Mas onde estão os nossos líderes e a sociedade organizada para essa transformação social?
Paulo Roberto Cannizzaro, escritor e consultor empresarial