Imagem não é nada, Pejotização é tudo
O STF, sem qualquer exagero com essa decisão, está prestes a apertar um botão que pode ser uma bomba atômica para os direitos trabalhistas

Se você acha que os direitos trabalhistas devem acabar, você não irá gostar da minha opinião, mas até por isso deve ler esse artigo, pois reconheço que a sua vontade está em alta, na mais alta corte do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal. O Ministro Gilmar Mendes, em decisão recente, em sede do ARE 1.532.603, suspendeu todos os julgamentos no país acerca da licitude ou não da contratação do trabalhador autônomo ou da pessoa jurídica para prestação de serviços, a conhecida e afamada pejotização.
A pejotização, conforme tem sido idealizada e até já utilizada, não é uma modernização das relações de trabalho, aliás, não seria absurdo encontrar esse termo em alguns museus que guardam a memória do triste período da escravidão. E a ideia aqui será explicar o porquê.
Não é de hoje que o STF torce o pescoço para qualquer pauta que faça do Direito do Trabalho um marco referencial importante na tentativa de conciliar o inconciliável, porém com dotes de dignidade, na relação desigual entre quem manda e quem precisa trabalhar. Na verdade, o autônomo é uma figura jurídica que de fato existe, eu mesmo sou um, mas não se pode tentar fazer dessa condição uma regra, quando na verdade é exceção. E explico.
Se as relações de trabalho admitissem uma liberdade como de fato se tenta fazer ressoar nas relações de trabalho, certamente a dinâmica de acúmulo de lucro por parte de alguns seria afetada, pois ninguém aceitaria trabalhar por livre e espontânea vontade e ser partícipe de tanta desproporcionalidade financeira. A subordinação é inerente a esse modelo produtivo de trabalho. E por isso entram os direitos trabalhistas, para minimante equilibrar o que já é naturalmente desequilibrado.
A pejotização, nesse caso, é o famoso "pulo do gato". É fazer você crer que a sua liberdade lhe trará uma maior liberalidade e lucratividade, quando na grande maioria dos casos, será uma precarização da sua condição de trabalhador, muitas vezes, com uma aparência de prestação de serviços via pessoa jurídica, com o intuito de também diminuir a incidência tributária, como bem aponta o professor Luciano Martinez em seu livro Curso de Direito do Trabalho.
Ou seja, seus direitos trabalhistas serão aniquilados por uma ideia que não se sustenta. Aliás, em tempo algum a CLT impede você de empreender, inclusive, condição juridicamente permitida e tipificada no Art.1º, IV, da CF/88. Na verdade, a legislação trabalhista, segundo a interpretação de alguns integrantes da nossa Suprema Corte, parece ter chifre, rabo, tridente e cheiro de enxofre.
Agora, faça uma reflexão: você acha que a sua vida vai melhorar se alguém puder lhe explorar mais ainda legalmente? Suponho que não. Nesse mundo caduco, nada é o que parece ser. Poderíamos até usar o jargão: Imagem não é nada, pejotização é tudo. O que virá dessa decisão do STF tem a ver com um mundo que tenta esconder em roupas de paletas leves um ranço que pelas brechas das vendas da Justiça, flerta com um passado pouco preocupado em que as condições de trabalho fazem ruborescer as páginas do livro de história e nos perguntam se realmente merecemos a alcunha científica de Homo Sapiens.
O STF, sem qualquer exagero com essa decisão, está prestes a apertar um botão que pode ser uma bomba atômica para os direitos trabalhistas, pois dessuará qualquer efeito prático do que restará no sentido de proteção. Porque da mesma forma do que fora vivenciado na escravidão, não existirá relação de trabalho, mas sim, imposição de trabalho. E exploração.
André Costa, advogado, professor, doutor em Direito pela UFPE.