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Escolhas e decisões com discernimento

Nossa vida é construída como resultado de nossas escolhas e a arte de saber como fazer escolhas é a virtude do discernimento........

Por EDUARDO CARVALHO Publicado em 02/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 02/05/2025 às 7:53

A palavra tem origem no latim "discernere" que significa separar, avaliar, fazer distinção entre duas ou mais coisas. É sinônimo de critério, reflexão, escolha. Para Platão, essa era a virtude da prudência. Impede que você tome uma decisão impetuosa, baseada em emoções, paixões, ódio, revolta, vingança. Uma decisão em cima do que se quer, o que às vezes, pode ser uma vontade passageira. Sendo mais sensato, pensaria mais no que deve do que no que quer. Portanto, prudência significa parar, refletir em tempo adequado para o processo fluir bem. Mas, não se deve deixar que o tempo decida, supondo que o tempo resolverá o problema, pois não resolverá. É provável que essa decisão, que, realmente, não é uma escolha, não seja a melhor.

Reflexão é vida interior. Vire para dentro e tente imaginar. Quem sou eu? Qual o meu propósito de vida, meus valores e princípios? É o exercício de autoconhecimento. A minha identidade mais profunda tem a ver com o meu senso de vida, o que eu quero construir em mim mesmo. Que ser humano quero ser? Que influência quero ter na vida de outras pessoas? E a influência que quero ter no mundo? Qual é o legado que quero construir? Não há como construir se não se sabe para onde está indo. Projetando a sua identidade no mundo, as escolhas são coerentes com o que deseja construir, com o que quer ser. Uma pessoa prudente tem uma identidade. Se cada um de nós tivesse uma identidade profunda, o mundo seria diferente. O pensamento de um complementaria o do outro. As escolhas seriam autênticas.

Na India, pesquisadores concluiram que temos duas mentes.

Uma mente prática, básica, que chamam a mente dos desejos. Orienta as escolhas do dia a dia: um produto no supermercado, um carro novo. A outra mente é a superior. Pensa com base em princípios e valores universais. Para tomar uma decisão, consulta o que é nobre, justo, bom, altruísta. Não é baseada no egoísmo. A consciência é elevada. Pensa, por exemplo, sobre a guerra na Ucrânia. Embora não seja

ucraniano, nem parente de ucraniano, machuca o coração saber que as casas estão sendo destruídas com famílias dentro. Ou pensa que há pessoas no meio da rua, com fome sem saber o que fazer.

Se o nível de consciência cair, tenha a humildade de não tomar decisões. Caso contrário, poderá cometer injustiças. A decisão poderá ser por vingança, ódio ou inveja. Decisão com discernimento requer, também, que seja desenvolvido a capacidade de observar. Olhar para o ambiente e pessoas ao redor. Perceber detalhes, sutilezas. Saber diferenciar. Definir critérios para avaliar. É um desafio fundamental em processo de seleção de pessoal para uma organização ou promoção de quem já exerce uma função. No rol de critérios, deve ser avaliado, essencialmente, o caráter que é definido pelo conjunto de comportamentos e atitudes de um indivíduo de agir e reagir, individualmente ou em grupo. É o que faz e, não apenas, pelo que diz ou indica fazer. Determina as suas escolhas, a retidão das ações, a sua índole, o que é e não é capaz de fazer.

Uma pessoa com bom caráter tem formação moral sólida. Assume a responsabilidade por seus atos, desculpa-se por seus erros. Faz a coisa certa, ainda que com risco ou custo. Jamais toma créditos dos outros para si ou prejudica alguém para se beneficiar. Não pratica atos desonestos. Não adota comportamento errado de outros para justificar o seu. É coerente com as suas atitudes. Enfim, é uma pessoa digna de confiança por agir corretamente sempre. Capacidade de previsão, é outro elemento muito necessário para tomar decisões. Refletir sobre o passado, cultivar atenção no presente aprendendo com o passado, e imaginar o futuro baseado em experiências vivenciadas, cenários prováveis, propósito significativo. Um propósito que traduza um sentimento de fazer parte de algo maior do que si próprio, que compreenda o desenvolvimento de boas qualidades humanas. Define-se, entendendo a própria história, os valores que pratica, as habilidades e competências que possui, o que o motiva a fazer com prazer, o que quer preservar, o que precisa mudar. Segundo Platão, pode ser necessário educar seu gosto, aprendendo a gostar do que proporciona crescimento fundamentado em valores. Decidir baseado no duradouro e não no fugaz, temporário. Estratégias de marketing podem iludir a fazer escolhas, simplesmente, com a mente dos desejos. Com a mente superior, questione as reais necessidade de comprar algo. Considere o impacto da escolha no meio ambiente e na sociedade.

Adote essa prática diariamente. Confúcio dizia que uma pessoa sábia pensa duas vezes antes de decidir. Pensa na medida certa. Se não pensar o suficiente, pode ser impulsivo. Se pensar demais, pode ser procrastinador. Adia a decisão porque não quer decidir. Pode não ter coragem ou ser

incompetente na função que exerce. Uma pessoa corajosa não é imprudente para se arriscar, mas também não fica estagnada pelo medo. Não é covarde.

Na jornada da vida é muito importante comprometer-se com um ideal, ser fator de soma para as pessoas que se relaciona, e que o mundo ficará um pouco melhor porque você existiu. Se isso é importante, tenha como objetivo. Caso contrário, vai andar em círculos, não construirá nada.

O exposto são orientações básicas para o discernimento nortear as nossas escolhas e decisões, contribuindo para a vida ser virtuosa, contagiando o mundo. São aprendizados inpirados na filosofia, sobretudo pelas palestras da professora Lúcia Helena Galvão da Nova Acropóle. A convivência com agentes virtuosos constitui o melhor meio de aprendizado. Aprender uma virtude é capacitar-se para pensar, sentir e agir para o bem, o belo, a felicidade. Tornar-se virtuoso requer prática. Uma sociedade virtuosa tem instituições educacionais comprometidas em cultivar virtudes, essencialmente a virtude do discernimento. 

Eduardo Carvalho, Harvard University/ IPERID Fellow

 

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