Sistema prisional pernambucano em colapso
Um sistema prisional como o de Pernambuco revela muito sobre o desprezo com que o poder público trata a vida, a justiça e a democracia.

A operação "La catedral" deflagrada pela Polícia Federal no Presídio de Igarassu, que resultou na prisão de servidores de alto escalão da administração penitenciária, lança luz sobre uma realidade tão antiga quanto negligenciada: o colapso estrutural e moral do sistema prisional do Estado de Pernambuco.
Recentemente, os holofotes recaíram sobre o ex-secretário executivo de Administração Penitenciária, e o gestor da unidade prisional bem como, o seu chefe de inteligência, apontados como articuladores de um esquema de corrupção que permitia a entrada de drogas, bebidas alcoólicas, celulares e até garotas de programa no presídio de Igarassu, na região metropolitana do Recife.
Não se trata de um episódio isolado muitos menos desconhecido e novo, só não tinha sido publicizado. A sucessão de escândalos revela um padrão sistêmico de corrupção e conivência, que agora atinge os mais altos escalões da gestão penitenciária e que veio a público.
Essas denúncias não surpreendem quem acompanha o cotidiano do sistema penal pernambucano. O que está vindo à tona agora, por meio de investigações oficiais, é apenas a confirmação do que a sociedade civil, os órgãos de fiscalização e os defensores de direitos humanos já denunciam há anos: o cárcere em Pernambuco é um território de exceção, onde as garantias constitucionais, a legalidade e a dignidade humana são violadas diariamente — muitas vezes com a participação ativa de quem deveria zelar por elas.
A Penitenciária Barreto Campelo, recentemente desativada pelo Governo do Estado, simboliza com precisão essa decadência. Localizada na Ilha de Itamaracá, a unidade era há décadas palco de rebeliões, motins, fugas, assassinatos e superlotação. Sua estrutura física estava comprometida, insalubre, sem condições mínimas de funcionamento. Ao invés de uma reestruturação séria do sistema prisional, o que se viu foi a simples desativação da unidade — um movimento que, embora necessário do ponto de vista humanitário, não foi acompanhado de um plano transparente de realocação dos detentos nem da construção de alternativas efetivas à superlotação crônica das demais unidades. O que acarreta vários outros problemas haja vista que, a estrutura da nova unidade para qual foram transferidos, unidade não está completamente terminada, gerando transtornos aos familiares que ficam aflitos sem saber notícias de seus entes encarcerados, com agendamentos para atualização de cadastro para poder realizar visitas, com prazos de 30 (trinta dias) bem como, aos advogados que tentam ter acesso aos seus constituintes e poder assim, tranquilizar um pouco as famílias.
Outro capítulo vergonhoso dessa história é o abandono das obras de ampliação do Complexo Prisional de Itaquitinga que já tem longos anos parados. Projetadas para desafogar o sistema penitenciário e reduzir os índices de superlotação, essas obras foram paralisadas sem justificativa pública alguma. A promessa de novas unidades com infraestrutura minimamente conveniente, se transformou em grandes canteiros abandonados, estruturas inacabadas que hoje apenas evidenciam o despreparo e o descaso com a política penitenciária do estado. O que poderia ser um passo rumo a um sistema mais humanizado e eficiente, tornou-se mais uma frustração para a população e para o sistema de justiça.
Enquanto isso, os escândalos se acumulam. A gestão penitenciária em Pernambuco parece forjada em escândalos sucessivos, marcada por subornos, omissões e a naturalização da barbárie. Os recentes desdobramentos da investigação federal demonstram que o poder dentro das prisões muitas vezes é negociado entre lideranças criminosas internas e servidores públicos corrompidos, em um pacto de interesses que mina por completo qualquer possibilidade de ressocialização — palavra que virou ficção nos discursos oficiais, mas que de fato, não passa de mera palavra.
Em um novo e grave capítulo dessa crise, veio à tona a inoperância e o esvaziamento do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT). Pressionado pelo Ministério Público, o Governo do Estado foi acionado para reativar o grupo que deveria fiscalizar as violações de direitos humanos no sistema prisional.
O desmantelamento do Mecanismo de Combate à Tortura, responsável por fiscalizar e denunciar maus-tratos e práticas desumanas nas unidades prisionais, é mais um sintoma do desprezo institucional pela proteção dos direitos humanos. A ausência de fiscalização permitiu que situações de violência, maus-tratos e violações se agravassem ainda mais dentro dos presídios.
Em resposta tardia, o Governo de Pernambuco nomeou novos peritos para o Mecanismo — mas de maneira controversa: sem a realização de processo seletivo público, contrariando a regra prevista em lei para garantir a imparcialidade e a competência técnica dos membros. Tal medida compromete a credibilidade e a efetividade do órgão, corroendo ainda mais a confiança pública na gestão dos direitos humanos.
A falência do sistema prisional pernambucano é uma tragédia anunciada a muitos anos, inclusive internacionalmente. Trata-se de uma engrenagem que não apenas falha em sua função ressocializadora, como opera ativamente na reprodução da criminalidade, da humilhação e da desumanização. O que está em crise não é apenas uma política pública; é a própria legitimidade do Estado em aplicar a pena.
Reverter esse quadro exige mais do que operações policiais pontuais ou reformas superficiais. É preciso vontade política, compromisso com os direitos humanos e um rompimento definitivo com a lógica da punição pela punição. O Estado precisa assumir sua responsabilidade histórica e presente: garantir que ninguém, por mais grave que seja o crime cometido, seja lançado em masmorras modernas onde o caos, o abandono e a corrupção são a regra.
O cárcere é, em última instância, um reflexo da sociedade que o mantém. E um sistema prisional como o de Pernambuco revela muito sobre o desprezo com que o poder público trata a vida, a justiça e a democracia.
A lamentável prisão de policiais penais demonstra que o governo relativizou a corrupção existente. Precisando que um órgão externo expusesse estas chagas. Previsível a partir do momento em que o sistema prisional seja gerido pela própria categoria, deixando de ser subordinado a uma pasta, como anteriormente à SJDH. Eis, um dos maiores erros do atual governo em relação ao sistema prisional do nosso estado.
A pergunta principal é: até quando vamos continuar fingindo que está tudo bem com as pessoas encarceradas? Um dia voltarão para o seio da nossa sociedade, qual será a consequência de termos passado tanto tempo de olhos fechados?
Guilherme Interaminense, advogado criminalista e defensor dos direitos humanos
Nary Gonçalves, advogada criminalista especialista em execução de pena